o globo
O critérios éticos do deputado Roberto Jefferson continuam elásticos como seu estômago antes da operação, que lhe curou a obesidade mórbida mas não aplacou seu apetite. Mas não apenas ele tem flexibilidade moral, como se pode ver todos os dias nas sessões CPI, ou nas diversas comissões que analisam a ética na Câmara. É espantoso como se admitem mentiras com a maior desfaçatez. O próprio deputado, misto de acusado e acusador, já declarou que mentiu ao negar, da tribuna, um acordo em dinheiro com o PT que agora garante ter feito.
O ex-presidente do Instituto de Resseguros do Brasil (IRB) Lídio Duarte e o ex-chefe de departamento dos Correios Mauricio Marinho, indicados pelo PTB para os cargos, negaram nada menos que declarações gravadas e filmadas.
Marinho, um "petequeiro" segundo curiosa definição de Roberto Jefferson, assumiu a pecha de boquirroto e falastrão e, com a cara mais deslavada do mundo, garantiu que mentiu sobre sua participação em um amplo esquema de corrupção que estaria instalado nos Correios, sob a coordenação do deputado.
Já Lídio Duarte, que se queixara a um repórter da exigência "constrangedora" de Jefferson de arrancar R$ 400 mil por mês do IRB para o PTB, ao saber que a conversa fora gravada, simplesmente disse que mentira ao repórter.
Também a maioria dos deputados e senadores membros da CPI dos Correios tremeu e se acovardou com a ameaça de Roberto Jefferson de provar que suas prestações de contas são tão mentirosas quanto as dele próprio. E preferiu fazer elogios ao acusado de decoro parlamentar, alguns chegando a dizer que ele estava prestando um grande serviço ao país ao denunciar os esquemas de financiamento de campanhas políticas.
Tudo nesse vergonhoso episódio parece levar à conclusão de que, se fosse possível, as coisas ficariam por isso mesmo, deixando claro para a opinião pública que todos são iguais entre si e, por isso, não há culpados, apenas uma legislação eleitoral impossível de ser cumprida. Como Jefferson quer demonstrar.
O próprio governo, ao tentar confundir as investigações com supostas culpas passadas do governo tucano, joga para igualar seus acusadores de hoje aos seus malfeitos, como se um erro justificasse outro. E como se não tivesse sido eleito para mudar hábitos e costumes políticos.
Participei na quinta-feira de um debate no GLOBO, em comemoração aos 80 anos de fundação do jornal, onde discutimos, o ex-assessor de imprensa de Lula Ricardo Kotsho, o colunista Jorge Bastos Moreno, o editor executivo do jornal, Luiz Mineiro, e eu, o relacionamento do governo com a imprensa. E um comentário de minha amiga Tereza Cruvinel no programa do Jô Soares mereceu nossa atenção.
Segundo ela, se ficar provado que existe mesmo o mensalão, terá sido a maior "barriga" da imprensa brasileira dos últimos tempos. "Barriga" é o nosso jargão para uma notícia errada ou uma falha de informação.
Discordei da afirmação de Tereza, ainda mais porque se "barriga" houvesse, a maior teria sido a do esquema de corrupção do governo Collor, pois também naquela ocasião a imprensa, apesar de ouvir muitos boatos sobre a atuação de PC Farias, não publicou nada até que o irmão do presidente assumisse as acusações. A não ser que se prove, como o especialista no assunto Roberto Jefferson afirma, que esse esquema do PT é muito maior que o do PC.
Um esquema daquela magnitude — como o que parece ter sido montado agora —, ainda mais envolvendo diretamente o próprio presidente da República, não poderia ser denunciado sem que alguém de dentro, com a credibilidade dos cúmplices, transformasse os boatos em verdade.
Nesse caso do PT, com mais razão ainda. Quem, em sã consciência, mesmo não gostando do PT, poderia supor que o governo de Lula um dia estaria sendo acuado por denúncias de corrupção, e ainda por cima vindas exatamente de um deputado como Roberto Jefferson, conhecido defensor de Collor?
Denúncias e boatos sobre desvios petistas, e mesmo sobre o mensalão, eram ouvidos nos corredores do Congresso em Brasília, alguns antes mesmo da eleição. O acordo feito com o PL para que José Alencar viesse a ser o vice da chapa de Lula foi fechado na undécima hora, e os boatos diziam que o PT, já representado naquela negociação por Delúbio Soares, e Alencar tiveram que assumir o "financiamento" de vários candidatos do PL, para consegui-lo.
Mas tudo parecia inverossímil até que alguém "de dentro", avalizado pelo próprio presidente Lula, assumisse formalmente as acusações, sem provas, mas com detalhes que vão se confirmando a cada dia. Ainda hoje parece impossível que o governo do partido que tinha a ética na política como sua marca registrada esteja envolvido em esquema tão corrompido. E por isso a figura de Lula está sendo preservada, até mesmo pelos partidos oposicionistas, que misturam uma verdadeira vontade de manter o equilíbrio institucional com a satisfação mal disfarçada de destruir um mito político adversário.
Talvez a explicação para tudo o que parece ter acontecido esteja em uma frase relembrada por Jorge Bastos Moreno nesse mesmo debate. Lembrou ele que, logo após as denúncias contra o assessor do Gabinete Civil Waldomiro Diniz, flagrado apanhando propina do bicheiro Carlos Cachoeira para si e supostamente para campanhas políticas, o presidente do PT José Genoino cunhou a seguinte frase: "O erro pela causa o presidente aceita. O erro em causa própria, não".
Este é um exemplo clássico de critério ético elástico, que gera um movimento descontrolado. Tudo pode ter começado "pela causa", o que não justifica nada, e terminado em "causa própria".
Entrevista:O Estado inteligente
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