Entrevista:O Estado inteligente

sábado, julho 02, 2005

AUGUSTO NUNES :A grande bandeira em frangalhos

jb

O Lula que prende e arrebenta recorreu ao dialeto da gafieira para deixar claro, na quinta-feira, que a expansão do pântano será neutralizada a qualquer custo. "Se alguns dos nossos amigos fizeram algo errado, vão sambar", informou à platéia de ministros reunida no Planalto. Sublinhou o aviso com uma frase que até traseiras de caminhão recusariam: "Quem mijou fora do penico, tchau e bênção".

Esse anjo exterminador de corruptos talvez se tenha esquecido de repassar o recado aos parlamentares do PT. Na mesma quinta-feira, reeditando piruetas, espertezas e trucagens utilizadas desde o começo da cantoria do deputado Roberto Jefferson, parlamentares petistas tentaram impedir a drenagem do lamaçal.

Na Câmara e no Senado, nas comissões e na CPI dos Correios, tenentes da tropa de choque governista articularam manobras para absolver liminarmente companheiros sob suspeita, livrar bandidos amigos da lista dos intimados, desqualificar testemunhas, defender o indefensável. Para quê? Para nada. O combate à corrupção desta vez seguirá adiante, porque é essa a vontade da nação.

Os artilheiros do PT, apoiados por cúmplices da "base aliada", são muito ruins de mira. Ampliaram os estragos na já bastante danificada imagem do partido e, sobretudo, abalaram a confiança do país na palavra do presidente da República. Se Lula deseja efetivamente identificar e punir delinqüentes de grosso calibre, tem de ordenar mudanças

Se não agir assim, restará aos brasileiros honestos escolher entre duas hipóteses: ou Lula perdeu a autoridade sobre o próprio PT ou, intimamente, aprova a postura dos parlamentares que chapinham no lodo com a serenidade de surfista na hora da maresia. Abertamente estimulados pela cúpula do partido, integrada por atores que logo estarão no elenco dos réus da CPI, deputa dos e senadores parecem dispostos a manter a rota. Nesse caso, Lula merecerá figurar entre os culpados por omissão.

Convém ao presidente percorrer sem demora o atalho da lucidez. Generosamente, boa parte do Brasil tem procurado afastá-lo do maremoto de escândalos. O pote da indulgência secou. Os eleitores não serão clementes nas urnas de 2006. Saberão dar o merecido troco a parlamentares hoje reduzidos a advogados da bandidagem.

Os combatentes petistas sabem ser cautelosos. Evitam cuidadosamente, por exemplo, duelos com o agressivo Roberto Jefferson. Em contrapartida, esbanjam coragem quando confrontados com gente indefesa e inexperiente em batalhas retóricas. Na CPI, lutaram valentemente na guerra de destruição contra Fernanda Karina, ex-secretária do publicitário Marcos Valério, um dos operadores do mensalão.

Quando Fernanda começou a depor, fora amplamente comprovada a essência das revelações feitas à imprensa pela secretária. Mais: descobertas sucessivas haviam dilatado notavelmente o prontuário do homem da mala, que trabalha em parceria com Delúbio Soares, tesoureiro do PT. "Vocês vão conhecer aquele carequinha de Minas", preveniu Roberto Jefferson na Comissão de Ética. Os petistas conseguiram adiar o depoimento do bandido. Preferiram chamar a mocinha, prontos para desqualificá-la. Um equívoco bisonho. Um disparo na própria testa.

A bandeira da ética na política, desfraldada pelo PT durante 25 anos, agora está em frangalhos.

Baile do PMDB confunde Lula

Quem tira o PMDB para dançar corre o risco de chegar ao meio da pista com o par errado. O presidente da República queria bailar com o presidente do partido, Michel Temer (à esq.). Acabou abraçado ao presidente do Senado, Renan Calheiros, conhecido de antigos carnavais. Induzido a honrar a palavra empenhada pelo senador Aloizio Mercadante (à dir.), precipitado organizador de parcerias, Lula entregou à metade já seduzida do PMDB os quatro ministérios que prometera para noivar com o partido inteiro. O desfecho do baile, prejudicado pela precipitação, parece ter deixado Lula um tanto confuso. Decidido a consolar-se com alguma celebração na Granja do Torto, inverteu o calendário gregoriano. Como mostra o convite, Lula e Marisa Letícia produziram a única festa junina de julho.

O Cabôco quer saber a quantas anda a Chacina da Baixada. Foram capturados todos os PMs responsáveis pelo massacre? Quando serão punidos? As testemunhas estão em segurança? O Estado tomou providências para indenizar as famílias das vítimas? Se faltar dinheiro para a última resposta, o Cabôco sugere que a Comissão de Anistia doe ao Rio parte da dinheirama desperdiçada com indenizações duvidosas.

O colunista pisa na bola

Diferentemente do que a coluna publicou no domingo passado, a cota de três senadores por Estado e mais três para representar o Distrito Federal) não foi estabelecida pelo "pacote de abril", embrulhado durante o governo Geisel. O trio de senadores existe desde a promulgação da Constituição de 1891 e teve o endosso dos constituintes de 1946. O que o "pacote" inventou foi o "senador biônico", escolhido pelo governo entre homens de ilibada reputação e notório saber – e chancelado pelas Assembléias Legislativas. Com a redemocratização, todos voltaram a ser eleitos pelo voto direto. O colunista pede desculpas pelo erro.

É proibido viver muito

Fotos de Rafael Andrade
Lucas (com uma amiga): o desenhista de um Rio imaginário

Como as estreitas vielas de terra, como as casas pequenas e as famílias imensas, como as crianças que empinam pipas multicoloridas, também as guerras entre quadrilhas rivais e tiroteios entre policiais e bandidos são inseparáveis da paisagem da Rocinha. Permanentemente expostos à violência, os moradores da favela se tornam, ainda na infância, passageiros do medo.

O medo como rotina parece menos apavorante: aos 15 anos, Lucas Batista não tinha medo de ser feliz. E tentava. Na laje do prédio de quatro andares habitado pela família, divertiase com amigos. De vez em quando, fazia desenhos. O Rio que desenhava só existia na imaginação do menino. Morreram juntos, assassinados por um tiro de revólver. Lucas nascera num Brasil proibido de viver por muito tempo.

Ignorância laureada

Um integrante da CPI interrompeu Joel dos Santos Filho, advogado e aprendiz de araponga, para avisá-lo que estava dizendo o contrário do que havia declarado à Polícia Federal. A justificativa:

"Estava tão nervoso na polícia que nem lembro o que depuí".

Isso mesmo: depuí. Pela palavra inventada quando depôs, Santos Filho merece o troféu. Também merece ter confiscada a carteira de advogado.

Licença para matar

OMinistério Público brasileiro vem tentando mostrar que todos são iguais perante a lei. O Órgão Especial do Ministério Público paulista deve achar os promotores mais iguais que os outros. Na semana passada, seus integrantes anularam a expulsão do colega Thales Ferri Schoedl, decretada em abril pelo Conselho Superior da instituição. Motivo invocado pelos conselheiros: "comportamento incompatível com função". Tradução: assassinato por motivos fúteis.

Thales tinha 26 anos e era promotor substituto quando decidiu aguardar a chegada de 2005 em Bertioga, perto de São Paulo. Na madrugada de 30 de dezembro, voltava de um luau com a namorada (e um revólver na cintura). Alguns jovens dirigiram gracejos à acompanhante do doutor, que condenou à morte a turma inteira. Disparou 15 vezes. Matou Diego Modanez e feriu gravemente Felipe Siqueira Cunha de Souza, ambos com 21 anos.

Caso alcance setembro incorporado ao quadro de promotores, Thales completará dois anos no cargo, que se tornará vitalício. Não poderá ser julgado por um júri popular: só o Tribunal de Justiça cuida desses réus especiais. Até lá, continuará ganhando R$ 5.800 por mês, sem trabalhar. É o Brasil

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