O Globo
Estamos vivendo realmente tempos fantásticos, de realismo mágico à la Gabriel García Márquez, quando as metáforas se materializam e a realidade beira a ficção. Ou os "tempos interessantes" da maldição atribuída a Confúcio, tempos em que os riscos e os sofrimentos não cessam, impedindo a tranqüilidade. As malas de dinheiro, até pouco tempo ingênuas metáforas de corrupção, agora surgem coloridas, em diversos formatos, trafegando em motos anônimas pelas ruas das grandes capitais, ou em jatinhos executivos supermodernos como o Citation-10 do deputado-pastor detido ontem.
Ou não é roteiro de uma perfeita chanchada da Atlântida o assessor preso com dólares na cueca? Um roteiro sem a malícia inocente das antigas chanchadas, atualizado pela violência da política dos nossos dias, conformada a golpes de dinheiro. Pode ser que o ex-assessor do irmão de Genoino tenha ligações com outros tráficos, que não o de influências, disseminado no Campo Majoritário petista.
Pode ser também que o pastor-deputado João Batista Ramos da Silva, do PFL de São Paulo, detido pela Polícia Federal no aeroporto de Brasília com sete malas de dinheiro, não tenha nada a ver com o dízimo petista ou com o mensalão, e que seus reais tenham mesmo como origem o dízimo de gente humilde enganada em todos os quadrantes do país pela Igreja Universal do Reino de Deus. Mas os dois casos são exemplares da situação em que nos metemos.
Os pastores evangélicos, personagens cada vez mais influentes de nossa política moderna, surgiram na década de 70, com tribuna, capilaridade, e sem precisar de financiamento para as campanhas eleitorais. O presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Nelson Jobim, um estudioso do sistema eleitoral, garante: os partidos foram atrás deles, e não o contrário. A formação do quociente eleitoral — a soma dos votos dividida pelo número de vagas — obriga a que o partido político procure os candidatos que tenham mais votos, e não os de maior qualidade.
No Brasil, o eleitor vota em candidatos, e não na legenda. Como o partido político tem direito a ter 150% de candidatos em relação ao número de vagas em disputa, o burocrata do partido sai à cata de candidatos que tenham capacidade para produzir um bom número de votos. No início, se a "capilaridade" do pastor — isto é, sua capacidade de atingir o maior número de fiéis que, com o voto obrigatório, são todos eleitores potenciais — passava em cima da zona eleitoral de um cacique do partido, aquele pastor não servia, porque ia roubar votos do político já estabelecido.
Com o tempo, os pastores descobriram que não precisavam dos políticos para se candidatar e ganharam força própria, acabando por tomar conta de uma legenda, o Partido Liberal do vice-presidente José Alencar, um dos partidos acusados de receber o mensalão para apoiar o governo. Antes de o esquema do mensalão ser estourado pelas denúncias do deputado Roberto Jefferson, já havia uma movimentação crescente no Congresso no sentido de mudar a organização partidária, e especialmente o sistema eleitoral, devido ao novo esquema de poder estabelecido pelo PT, que atuava como um trator em cima das estruturas partidárias, buscando formar sua maioria no Congresso.
Essa estratégia de inchar pequenas legendas com a atração de deputados, e um fenômeno mais ou menos recente que atinge a todos igualmente, o altíssimo custo de uma campanha eleitoral, distorceram a vontade das urnas. Se não houver uma mudança na legislação, só serão eleitos os representantes das igrejas, especialmente a Universal, ou quem tiver dinheiro.
O financiamento público de campanha, que serviria para cortar esse mal pela raiz, só é possível se for feito aos partidos, e não aos indivíduos, por isso surgiu a idéia do voto em lista fechada, que hoje encontra grandes resistências no meio político. Ao custo de sete reais por voto, o Orçamento da União teria que dispor de cerca de R$ 800 milhões para dividir entre os 15 partidos oficiais para as campanhas federais, estaduais e municipais.
Previsivelmente, a Igreja Universal se posiciona contra a medida, pois assim o voto perderia a influência individual. Como eles têm o controle do PL, e têm candidatos em vários outros partidos — o deputado das malas é do PFL — não querem perder essa capacidade de manipular os resultados das eleições. O alto custo das campanhas eleitorais e o poder crescente nelas dos magos da publicidade fizeram com que o sentido das eleições fosse deturpado.
São poucos hoje os deputados que conseguem ganhar votos suficientes para se eleger à base da defesa de seus pontos, suas opiniões. Os chamados "candidatos de opinião" são atropelados pelas campanhas milionárias e pela pressão do marketing político, que privilegia a imagem do candidato em detrimento do conteúdo de suas propostas.
O próprio Lula aderiu ao conceito com sucesso ao contratar para sua campanha presidencial o publicitário Duda Mendonça, que fora responsável pelas campanhas eleitorais de ninguém menos que Maluf. A campanha eleitoral, por sinal, foi o primeiro passo para uma atitude pragmática de ação política que ganhou desenvoltura no governo, e teria justificado a montagem desse imenso esquema de cooptação parlamentar à base de golpes de maletas de dinheiro.
Mesmo que não tenham nenhuma ligação direta com os esquemas de corrupção que estão sendo investigados pelas diversas CPIs, esses dinheiros encontrados em cuecas de um suposto agricultor, ou nas entranhas de um Citation-10, têm a mesma motivação: o vil metal compra eleições e consciências, à direita ou à esquerda.
Entrevista:O Estado inteligente
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