Entrevista:O Estado inteligente

sexta-feira, julho 08, 2005

Merval Pereira Luta inglória

o globo


O deputado petista Mauricio Rands definiu ontem como uma "disputa política" a insistência de deputados da oposição em quebrar o sigilo bancário e telefônico dos ex-dirigentes do PT Delúbio Soares e Silvio Pereira, do presidente do partido, José Genoino, e do ex-chefe da Casa Civil José Dirceu. Como se eles não tivessem nada a ver com as denúncias que estão sendo investigadas na CPI mista dos Correios. O presidente do PT, José Genoino, já havia se referido a essa "disputa política" em diversas ocasiões, dando a senha de como o PT quer que as investigações sejam vistas pela opinião pública.

Uma manobra política da oposição, e não uma investigação sobre uma rede de corrupção que se instalou nos órgãos públicos e possivelmente financiou o suborno em massa de congressistas. O PT age assim por que, nesse momento de crise institucional, está tendo uma recaída no estilo de fazer política a que se acostumou na oposição por mais de 20 anos.

Só chegou ao poder com uma proposta de coalizão partidária, dando fim aparente a um longo processo no qual passou a maior parte do tempo assumindo posições por ideologia. A quem, por exemplo, questionava a súbita mudança petista a favor da reforma da Previdência, assumindo posições até mais radicais do que as que combatia em governos anteriores, a explicação era curta e grossa: "estávamos em uma disputa política".

Os partidos políticos que não têm as raízes revolucionárias do PT estão acostumados ao jogo democrático "burguês", sempre denunciado pelos petistas como arranjo político para manter tudo no mesmo lugar, sem as mudanças que viriam quando o PT chegasse ao poder.

Por isso, o PT recusou o apoio do PMDB de Ulysses Guimarães no segundo turno das eleições presidenciais de 1989 contra Collor, e Lula perdeu a eleição por uma margem próxima à votação que o PMDB obtivera no primeiro turno. Posteriormente, se recusou a participar de governos democráticos e de transição como o de Itamar Franco, após o impeachment de Collor.

São erros pelos quais a direção petista se penitencia hoje, e o tempo fez com que a maioria do partido entendesse a importância de uma coalizão para, no caso petista, não apenas para vencer as eleições, mas, sobretudo, para governar. Mas a coalizão partidária não é uma opção fácil.

Napoleão cunhou uma frase que pode explicar perfeitamente o sentimento petista: "Prefiro lutar contra uma coalizão a liderar uma coalizão". Uma definição mais rastaqüera foi dada pelo deputado Roberto Jefferson para explicar o mensalão que o PT teria disseminado pelo Congresso: é mais fácil contratar mercenários do que dividir o poder.

Por não ser de seu instinto, a capacidade de negociação petista fica bastante reduzida diante de uma crise desse tamanho, e o que se vê hoje na CPI mista dos Correios é uma tentativa às vezes patética de desqualificar as testemunhas que podem piorar a situação do governo, e uma defesa intransigente de figuras como o lobista Marcos Valério.

Como registrei aqui na coluna de ontem, só o deputado Roberto Jefferson não foi enfrentado com valentia pelos petistas, que não apareceram na Comissão de Ética e foram bastante benevolentes na CPI dos Correios.

O deputado petista do Rio Jorge Bittar, citado por mim como tendo sido bastante cordial com Roberto Jefferson, e que ontem tentou evitar a quebra de sigilos dos petistas, enviou-me carta na qual diz que três características marcam o seu caráter e sua atuação na vida pública: "a retidão, a objetividade e a cordialidade".

Ele diz que não se sentiu "pessoalmente ameaçado nem com o conteúdo, nem com o tom, nem com a dramaturgia exercida pelo senhor Roberto Jefferson na sessão da CPMI". Segundo ele, "não será uma simples repulsa emocional às insinuações e acusações de Roberto Jefferson que fará a verdade aparecer. Ao contrário, será o trabalho sério, consistente e perseverante dos membros da CPMI que separará o joio do trigo".

Com relação à campanha eleitoral de 2004 no município do Rio de Janeiro, Bittar garante que Roberto Jefferson "nada tem a revelar que possa me intimidar". Como já dissera na CPI, garante que o acordo feito com o PTB "foi estritamente político e teve como finalidade apenas aumentar o tempo do PT no horário eleitoral gratuito. A contrapartida para o PTB foi a formação da aliança proporcional".

Dizendo que sua prestação de contas foi apresentada dentro do prazo legal e está disponível no site do TSE na Internet, o deputado Jorge Bittar garante que continuará sendo cordial com todos, "até mesmo com aqueles cujas ações me cabe investigar por obrigação como membro da CPMI".

Ontem mesmo ele teve oportunidade de exercer sua "cordialidade" na argüição de Karina Somaggio, ex-secretária do lobista Marcos Valério, e no entanto não foi tão elegante quanto se declarou, a ponto de ter provocado uma reação da deputado juíza Denise Frossard.

Tentou desqualificar a ex-secretária, cobrou-lhe uma impossível demonstração de grandeza ao perguntar por que não pedira demissão de uma empresa onde via tantas irregularidades. Candidamente, a secretária lembrou ao deputado que a vida está difícil e que não poderia pedir demissão sem ter um outro emprego que lhe pagasse os mesmos R$ 2 mil por mês. Bittar, então, foi cruel. Disse que a secretária vendera sua honra por R$ 2 mil.

Para justificar sua atitude, Bittar lembrou que Marcos Valério havia sido duramente atacado por oposicionistas no dia anterior. Como bem lembrou o senador Pedro Simon, o PT, que já foi o defensor das secretárias e dos motoristas das CPIs, mudou tristemente de posição.

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