Entrevista:O Estado inteligente

quinta-feira, julho 21, 2005

LUÍS NASSIF Lições do caso Daslu

folha de s paulo

  O sábio recluso, com quem converso de vez em quando, anotou todos os dados divulgados sobre o esquema Daslu, e chegou a conclusões relevantes para avaliar a dimensão do crime fiscal: 1) Se um vestido de US$ 1.000 na origem entra no Brasil com documentos de importação de US$ 100, o pagamento pelo dólar comercial só pode ser desses US$ 100 correspondentes à fatura comercial que acompanha a mercadoria. Os outros US$ 900 que precisam ser pagos ao fabricante na origem têm que ser remetidos pelo paralelo. 2) Para fazer a remessa pelo paralelo, é preciso ter reais em caixa dois que correspondam a dez vezes o valor das importações. Havia, então, uma mega-sonegação para gerar esses reais. Segundo indícios prováveis, a Daslu registra vendas de R$ 120 milhões a R$ 130 milhões por ano. Várias noticias da mídia econômica falam em vendas efetivas em torno de R$ 400 milhões. 3) Se for verdadeiro, o maior prejudicado pelo esquema Daslu não é a União, mas o Tesouro paulista. Um vestido que entra no país por US$ 100, quando na realidade custou US$ 1.000 na fábrica, será vendido a um preço de butique de US$ 1.600. Ora, se a tributação no desembaraço (Imposto de Importação + IPI +ICMS) incide sobre US$ 100, significa que a Daslu vai ter um crédito de ICMS só sobre esses US$ 100, uma vez que a importadora laranja repassa pelo preço pelo qual recebeu. Então haveria um ICMS gigantesco sobre a diferença (18% sobre US$ 1.500). Para o esquema se manter em pé, haveria a necessidade de uma mega-sonegação de ICMS. A Secretaria da Fazenda trabalha em cima de cruzamento de dados e alterações estatísticas. Para não deixar marcas, o esquema deve ter sido desenvolvido por anos e anos. 4) Registre-se outro lado inexplicável do esquema Daslu. A Alfândega é uma das instituições mais antigas do Brasil. Tem a mesma idade do Brasil enquanto nação. Seus técnicos sabem perfeitamente o valor das mercadorias importadas. Possuem catálogos e listas de preços de tudo o que é importado. Pode até, por acaso, fazer-se uma vez ou algumas vezes, mas não por anos a fio, como um canal livre de importação. 5) Se ainda existisse a Cacex -abolida pelo governo Collor-, um caso Daslu não poderia ter existido, diz ele. A Cacex operava por setores de produtos e com especialistas que conheciam mais do que os próprios empresários. Para licenciar uma importação, era preciso juntar a lista de preços oficial do fabricante e os catálogos completos. Além disso, ela tinha seus próprios meios de verificação. Era uma máquina eficiente e íntegra de defesa dos interesses do país. O governo Collor aboliu a Cacex porque já estava em tratativas para assinar um megacontrato de verificação de importações com a suíça SGS (Societè Generalle de Surveillance), empresa verificadora que checa a importação e a exportação em vários países da África, inclusive da Nigéria. A empresa só atuava em países sem estrutura própria. O fechamento da Cacex não foi acompanhado pelo devido aparelhamento da Alfândega.

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