O Globo
Fernandinho Beira-Mar, ainda se lembram dele? Era, em liberdade e mesmo depois de preso, o maior e mais perigoso traficante brasileiro, mantendo íntimas e lucrativas relações com bandidões do mercado internacional.
Suas origens e sua base eram no Estado do Rio, mas considerá-lo um bandido carioca seria algo parecido com definir Osama bin Laden como um terrorista saudita. Seu território não conhecia fronteiras nacionais; muito menos, divisas estaduais e municipais. Não por acaso, foi preso na Colômbia.
Trazido preso ao Rio, e hospedado num estabelecimento com segurança da categoria peneira (não os temos melhores que isso), ele só parou de controlar seus negócios e de mandar matar quando uma santa decisão do Superior Tribunal de Justiça determinou, em 2003, sua remoção para uma das celas de verdadeira segurança da Penitenciária de Presidente Bernardes, em São Paulo, sob o chamado regime diferenciado. Ele inclui vida dura e isolamento severo, mas que impedem problemas crônicos no sistema penal brasileiro: continuação do comando de ações criminosas de dentro das celas, sangrentos motins, guerras entre facções etc.
Agora, a novela recomeçou. Segundo lei federal, o chamado regime diferenciado imposto a Fernandinho tem prazo fixo: 360 dias, que acabaram há muito tempo. Talvez, diria um leigo, num sistema um pouco mais inteligente as restrições excepcionais seriam mantidas enquanto fosse necessário. Psicólogos e outros especialistas (dotados de autoridade e condições de trabalho inexistentes no Brasil) determinariam o tempo suficiente para reduzir a nível razoável, sendo isso possível, a periculosidade do detento.
Enfim, os 360 dias acabaram há muito tempo, e a Justiça exigiu a remoção do bandido.
Para onde, não se sabia até ontem: em princípio, ficará na Polícia Federal, em Brasília, até ser mandado para um estabelecimento de segurança máxima. Há dúvidas no ar: onde existe um fora de São Paulo? E a Justiça permitirá, tão cedo, novo período de regime diferenciado? Com o ar satisfeito de escoteiro que acabou de ajudar uma velhinha a atravessar a rua, o governador Geraldo Alckmin disse outro dia que "São Paulo já deu sua contribuição".
Agora é torcer para que não se concretize o risco da transferência do rei do tráfico para uma penitenciária fluminense — onde a segurança (sem qualquer culpa dos responsáveis imediatos) oscila entre o ridículo e o hilariante.
O Palácio Guanabara talvez não possa ser inteiramente responsabilizado: é verdade que o sistema estadual é fragílimo, mas também nunca apareceu a muitas vezes prometida ajuda federal.
Em suma, talvez falte mesmo um regime disciplinar diferenciado para governos e autoridades de todos os níveis. Mas não falemos nisso: logo virá o velho problema do excesso de lotação.
Uma tentativa de abordagem séria do problema representado pelos chefões do tráfico encarcerados levaria em conta a conveniência de mantê-los presos tão longe quanto possível de suas celas e suas áreas de influência. Penitenciárias federais de sofisticada segurança, distantes de grandes centros, são solução óbvia, usada em muitos outros países. A questão tem sido bastante discutida no Brasil nos anos recentes. Nada de concreto se fez a respeito.
A mera hipótese de transferência de Beira-Mar para as estações de repouso e relaxamento (no caso dos hóspedes ricos, naturalmente) das redondezas do Rio traz de volta ao primeiro plano antiga promessa de Brasília: uma rede de estabelecimentos federais de segurança máxima destinada a criminosos de periculosidade idem. É projeto há muito prometido e tranqüilamente esquecido. Na verdade, convivemos com o absurdo de não existirem penitenciárias federais nem mesmo para os condenados pela Justiça Federal.
A hora é boa também para lembrar que, diferentemente do que pensa o governador de São Paulo, hospedar bandidos condenados como Beira-Mar não é favor prestado por um estado a outros: tirar de circulação grandes bandidos, com ação no país inteiro e fora dele, é problema nacional, da Federação e dos estados.
Ou seja, o governo paulista pode se gabar de ter sido capaz de manter Beira-Mar fora de circulação e sem influência por tanto tempo. Mas não deve esquecer que, em se tratando de segurança pública, nenhuma unidade da Federação existe numa redoma refrigerada. Neutralizar os Fernandinhos Beira-Mar é prioridade tão coletiva quanto permanente.
Entrevista:O Estado inteligente
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