Entrevista:O Estado inteligente

sexta-feira, julho 15, 2005

Jabuticaba digital Celso Ming

O Estado de S Paulo

Em seus discursos de posse, os novos ministros adoram anunciar planos maravilhosos e grandes realizações à frente, coisa para fazer história. Muito ao contrário, o novo ministro das Comunicações, Hélio Costa, está anunciando uma desistência.

O Brasil finalmente está desistindo do sistema próprio de TV Digital, um sonho fora de propósito acalentado até agora pelo governo Lula, que na prática traria de volta a reserva de mercado, velha de guerra.

É bom tomar como ponto de partida o fato de que essa TV que você tem em casa está para ser aposentada. Dentro de mais alguns anos estará ao lado do gramofone, da máquina de escrever ou do ferro a carvão, nas prateleiras dos antiquários.

O futuro é da TV Digital não só por modismo ou porque o consumidor está mais exigente quanto a qualidade de som e imagem. A troca de aparelhos não se fará como a anterior, quando a TV em cores substituiu a TV em branco-e-preto. O futuro é da TV Digital porque garante interatividade (respostas online do telespectador) e, ao mesmo tempo, servirá de canal de telefonia e de internet, serviços que a tecnologia analógica não consegue prestar adequadamente.

O mundo inteiro está embarcando na TV Digital e não será o Brasil que vai renunciar a esse movimento inexorável.

A principal característica de nosso sistema de TV é que a rede a cabo ou de captação via satélite não alcança mais do que 6% das residências. Isso significa que a captação de imagem dependerá de antenas externas, que são esses pés-de-galinha (ou seus sucessores) espetados nos telhados das casas, que nem sempre garantem qualidade e podem entortar com a ventania.

No início do governo Lula, o então ministro das Comunicações Miro Teixeira pretendia produzir a jabuticaba televisiva, uma solução brasileira que, na prática, não seria possível fora do Brasil.

Ele brandia o argumento que não passava de repeteco do que diziam os nacionalistas dos anos 50: que é melhor produzir com talento nacional o que os outros querem vender para nós.

A proposta ignorava que, só no desenvolvimento tecnológico de cada um dos três padrões de TV Digital hoje disponíveis (o ISDB-T japonês; o ATSC americano e o DVB-T europeu), foram gastos perto de US$ 3 bilhões, quantia que o Brasil também teria de despender se quisesse atingir um mínimo de condições de competitividade.

Viu-se, também, que, se tudo desse certo, o Brasil não teria mercado externo para esses equipamentos: os países ricos já dispõem de solução própria e os países periféricos têm tudo para se decidir por um dos padrões dos países ricos, que teriam maior poder de barganha para impor sua solução. Isso, por si só, impediria que o Brasil alcançasse economia de escala nessa empreitada.

Como tanta coisa no governo Lula, comissões e equipes de trabalho gastaram horas em discussões para, dois anos e meio depois, concluírem o que já se sabia: que euforia e delírio só podem ser consumidos no momento adequado e na dose certa.

A desistência do padrão verde-amarelo de TV Digital define que os próximos passos implicarão a escolha de uma das três soluções disponíveis.

Este é um negócio de pelo menos US$ 50 bilhões. O Brasil terá de preparar-se para um mercado de 65 milhões de receptores, que substituirão os atuais à proporção de 4 a 5 milhões de unidades por ano. A nova tecnologia terá de alcançar também os sistemas de produção e pós-produção de imagem e som, estações de transmissão e retransmissão e tudo o mais. O poder de barganha do Brasil está nesses números e não no patriotismo de nossos técnicos.

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