folha de s paulo
Não há qualquer novidade em dizer que Lula só foi eleito presidente da República porque trocou a figura do líder operário raivoso pela imagem palatável do Lulinha Paz e Amor. Tampouco sua base eleitoral foi o povão, que só mais tarde e parcialmente aderiu a sua candidatura, essencialmente apoiada pela classe média, que não ia com a cara de José Serra e não queria a continuação do governo de FHC.
Nascido das greves sindicais do ABC nos anos 70, o PT tornou-se também um partido dos radicais antipartidão, dos progressistas não-marxistas e da esquerda classe média média e alta. Lembro-me de uma resposta da Tereza Aragão quando lhe perguntaram se também aderira ao PT: "Quem sou eu! -disse ela ironicamente- Meu status social não dá para tanto". De fato, no Rio, o maior contingente eleitoral petista não estava nos subúrbios nem nos bairros operários, mas na Barra da Tijuca, no Leblon e em Ipanema. Era o mesmo eleitorado radical, que, durante o regime autoritário, votava nulo ou em branco e, com isso, dava vitória à ditadura. Com o tempo, as greves do ABC foram sendo substituídas por greves do funcionalismo público, lideradas por petistas. E foi esse funcionalismo, aliado aos aposentados, um dos maiores entusiastas da campanha de Lula em 2002.
Fiz essas observações no momento em que o PT, usando o pretexto do golpe, ameaçava apelar para as massas populares a fim de impedir a apuração das denúncias de corrupção que o deixaram acuado. De fato, alguns pronunciamentos de dirigentes têm apontado nessa direção, a começar pelo discurso de José Dirceu quando deixou a Casa Civil. Veio em seguida um pronunciamento do próprio Lula, que sugeriu estar sendo vítima de uma conspiração golpista. Depois voltou atrás para, na abertura do Foro de São Paulo, uma semana depois, dar a entender a mesma coisa de maneira ambígua. Não sei se isso é fruto de sua conhecida esperteza ou se está simplesmente atordoado. Quem também fez afirmação semelhante foi Delúbio Soares, que, entre lágrimas, garantiu estar a direita preparando um golpe para impedir que o governo Lula continue a mudar o Brasil.
Essa teoria do golpismo está difícil de demonstrar, pelo simples fato de que Lula não está mudando o Brasil. (Pelo menos, não para melhor). Quem, portanto, estaria interessado em derrubá-lo? Os banqueiros certamente não, já que nunca lucraram tanto. O empresariado em geral, se não gosta das altas taxas de juros, tampouco está trabalhando no vermelho; do agronegócio nem há o que falar, já que cresce a cada safra e aumenta as exportações a cada mês. Restaria quem para derrubar o governo de Lula? Bush? Mas este está de paz e amor com o nosso presidente, haja à vista os sorrisos da secretária de Estado Condoleezza Rice em sua recente visita ao Brasil. Só se forem, então, os militares, que reclamam dos baixos soldos e do sucateamento das Forças Armadas. Mas a época do golpe militar findou-se com o desastre político da ditadura de 64; foram-se com a Guerra Fria os ideólogos que viam num governo militar o único antídoto eficaz contra o comunismo ameaçador.
Ou quem sabe sejam os aposentados, que, desiludidos com o governo Lula, conspiram para pô-lo abaixo. Bem, se é verdade que eles se dispõem a tanto, aí sim a coisa fica preta! Sucede, porém, que toda a revolta dos bons velhinhos limitou-se - como foi o caso de um vizinho meu- a queimarem a camiseta com que votaram em 2002 e que ostentava no peito o slogan "Lula já".
Há ainda a hipótese do impeachment, que não é propriamente um golpe, já que, para consumar-se, necessitaria da aprovação do Congresso Nacional. De qualquer modo, é um caminho pouco provável, se se levar em conta que os partidos de oposição, por meio de suas figuras mais influentes -como Fernando Henrique Cardoso e Jorge Bornhausen- se têm manifestado firmemente em favor da governabilidade. Dizem que desejam derrotar Lula em 2006 nas urnas.
Esse é o quadro no momento (escrevo esta crônica com uma semana de antecedência) e somente o PT e Lula (sobretudo este) teriam possibilidade de mudá-lo para pior, se embarcassem numa aventura chavista. Em tal hipótese, tudo o que conseguiriam seria criar um ambiente de agitação e instabilidade que mudaria a correlação de forças no Congresso e poderia, aí sim, precipitar o impedimento do presidente Lula.
No entanto, ao que tudo indica, nada disso acontecerá, mesmo porque todo o esforço do presidente da República tem sido para despetizar o governo e incluir nele novos aliados, que -acredita ele- o ajudarão a amainar a crise. Quem talvez esteja necessitando do chavismo, neste momento, não é Lula, é o PT, mas faltam-lhe meios para pô-lo em prática, especialmente depois da notícia de que José Genoino, seu presidente, assinou (sem ler?) um empréstimo de R$ 2,4 milhões a seu partido, cujo avalista foi nada menos que Marcos Valério Fernandes, o homem da mala.
Na verdade, o PT parece desmoronar.
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