folha de s paulo
LUIZ CARLOS BRESSER-PEREIRA
Cansado de criticar a taxa de juros Selic astronômica, o deputado Delfim Netto apresentou uma proposta que vem chamando a atenção e provocando debate: zerar o déficit público nominal. Ainda que, para isso, ele fale em dobrar a desvinculação constitucional das despesas sociais, que hoje está em 20% e subiria para 40%, e pressuponha forte redução da despesa corrente, está claro que dificilmente o objetivo poderá ser atingido sem que, adicionalmente, a Selic seja radicalmente baixada.
Delfim Netto é um dos mais brilhantes economistas brasileiros. É dos poucos que conhecem de fato macroeconomia e que têm uma visão global da economia brasileira e do seu desenvolvimento. Sua proposta faz sentido porque seu objetivo é lograr a estabilidade macroeconômica que não temos e, assim, permitir que a economia brasileira volte a encontrar o caminho do desenvolvimento perdido há 25 anos.
Diferentemente do senso comum, estabilidade macroeconômica não é apenas taxa de inflação sob controle nem dívida pública em relação ao PIB estabilizada -essa é a definição dos interessados apenas em receber juros do Estado. Segundo a teoria econômica, é preciso, adicionalmente, que haja equilíbrio intertemporal das contas externas e razoável pleno emprego. Ora, com a taxa de juros Selic no nível em que se encontra, empurrando para baixo a taxa de câmbio, além de a estabilidade fiscal ser precária, a estabilidade das contas externas hoje existente é apenas aparente: a volta aos déficits em conta corrente e ao aumento da vulnerabilidade externa é apenas uma questão de tempo.
Nessa perspectiva, a política de déficit público nominal zero e a desvinculação das despesas sociais só fazem sentido se forem expressamente consideradas como temporárias e subordinadas ao objetivo maior, que é o de devolver ao país taxas civilizadas de juros do Banco Central: em torno de 3% em termos reais. Em outras palavras, só fazem sentido se forem acompanhadas de uma estratégia de baixa permanente da taxa de juros Selic nominal.
Para os rentistas, é atrativa a política de déficit público nominal zero sem outra condicionante a não ser a da redução da despesa pública corrente, porque torna mais seguros seus créditos no Estado. Por isso a proposta está sendo discutida. Entretanto, se for acompanhada pelo objetivo de baixa concomitante da taxa de juros, é inaceitável para eles. Dessa forma, terminaria a maior captura dos recursos do Estado brasileiro de que tenho notícia. Assim, seus representantes prontamente encontram um argumento contra a política como um todo: ela coibiria o BC em sua política de taxa de juros voltada para o combate da inflação.
Segundo esses economistas, a taxa de juros Selic, embora definida pelo Banco Central, é, na verdade, determinada pelo mercado. O BC apenas sancionaria a taxa que o mercado financeiro admite. Como uma das explicações que eles oferecem para a manutenção dessa taxa no nível atual é um déficit público nominal excessivo, a redução desse déficit naturalmente produziria a queda da Selic, não havendo necessidade de transformá-la em objetivo explícito. Se esses senhores realmente acreditassem no que dizem, concordariam em acoplar expressamente à política de déficit público nominal zero a política ou estratégia de baixa da Selic real. E estaríamos dando uma resposta àqueles que insistem em afirmar que, de fato, a taxa de juros é muito alta, mas que ninguém sabe como baixá-la.
Tenho sempre insistido em que uma estratégia de baixa da Selic nominal passa por uma política radical de redução do déficit público -ou seja, pela política de déficit público nominal zero. A redução da própria Selic poderia ter um pequeno efeito inflacionário sobre a demanda, que seria compensado duplamente: pela depreciação cambial que essa própria redução provocaria e pela redução da demanda que a rigorosa política fiscal produziria. A estratégia passa também pela desindexação da Selic à própria Selic e da desindexação dos contratos públicos. E passa pela continuidade de reformas institucionais, como a reforma tributária. Envolve, portanto, o compromisso de todo o governo com uma estratégia nacional de restabelecimento da verdadeira estabilidade macroeconômica.
Nessa estratégia, não se trata de, "primeiro", fazer todas essas mudanças e, depois, baixar a Selic. Essa é a forma clássica que adotam aqueles que não querem mudar, mas não têm coragem de dizê-lo. Qualquer bom administrador sabe que, uma vez definido o planejamento estratégico, é preciso mover todos os peões quase ao mesmo tempo. Haverá encadeamento, mas haverá principalmente simultaneidade de ações.
Por outro lado, como a estratégia de baixa da Selic real envolve sacrifícios, ela deve ser provisória. Não é só a DRU (Desvinculação das Receitas da União) dos atuais 20% para 40% que deve ser provisória. A própria zeragem do déficit público pode e deve sê-lo. Um déficit público crescendo proporcionalmente ao PIB é em geral saudável para a economia, desde que o nível de endividamento público e, principalmente, a taxa de juros paga sobre esse endividamento sejam baixos. O que não pode ser perdido de vista é que o objetivo é a retomada do desenvolvimento, e, para isso, é necessária uma baixa permanente da Selic.
Entrevista:O Estado inteligente
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