O Estado de S. Paulo |
7/7/2005 |
No governo, os "de cima" não sabem de nada e os "de baixo" fazem de tudo A boa-vontade nacional, aliada ao estupor ante a velocidade dos fatos e a incerteza com o rumo dos acontecimentos, firmou convenção em torno do desconhecimento total que o presidente Luiz Inácio da Silva tem a respeito dos métodos de montagem de sua base de apoio no Parlamento e dos meios de captação de recursos empregados pelo PT para financiar a máquina de sustentação de seu projeto de poder. Isto posto em relação ao mandatário número um, a justificativa disseminou-se ao molde de um efeito dominó: o ministro da Casa Civil, José Dirceu, não sabia o que fazia seu grupo de auxiliares mais próximos, o secretário de Gestão Estratégica e Comunicação, Luiz Gushiken, não tem influência sobre as verbas da Secom, o presidente do PT, José Genoino, avaliza empréstimos sem saber por quê, para quê, muito menos com quem. O ministro da Fazenda, Antonio Palocci, não toma conhecimento do que se passa no Instituto de Resseguros do Brasil, o ministro das Comunicações, Eunício Oliveira, mantém-se ao largo de negociatas ocorridas na maior empresa de sua pasta (Correios) o deputado João Paulo Cunha preside a Câmara sem jamais ter ouvido falar no "mensalão" e, pelo visto, é dos poucos. A Abin investiga, fica amorfa e dá ao País a impressão de que é uma agência de inteligência que, ou não sabe de nada ou se presta às conveniências dos ocupantes do governo quando deveria servir ao Estado. Isso para não falar da alegada falta de informação de José Dirceu sobre o tipo (Waldomiro Diniz) com quem dividiu apartamento, levou para a Casa Civil para ser a principal ponte com o Congresso e depois foi exibido na televisão em ato explícito de suborno. Firmar relação de causa e efeito entre os personagens dos escalões superiores e os operadores das esferas inferiores seria, nesta altura, manifestação de açodamento. Não é, porém, apressada a conclusão a que nos leva tal cenário de desinformação: há, no governo, dois grupos, divididos entre "os de cima" que não sabem de nada e os "de baixo" que fazem de tudo. Se não está, por isso, caracterizado crime de responsabilidade por ação das autoridades já citadas, é impossível ignorar a evidência de ações de improbidade por omissão. Configura-se, no mínimo, um quadro tenebroso em que a República se vê entregue a uma cúpula de desavisados, dirigentes permanentemente ludibriados por seus subordinados. Autoridades, portanto, desprovidas de atributos básicos ao exercício da gestão pública: capacidade de comando, conhecimento do assunto, controle da equipe, cobrança de desempenho, exigência de cumprimento às normas e, sobretudo, a posse de uma rede de informações a respeito do que se passa sob os narizes dos chefes. Sem isso, vigora o desmando que suas desavisadas excelências, premidas pela urgência da defesa, se apressaram em confessar. Público e privado Gente experimentada no tema chama atenção para um detalhe: Roberto Jefferson diz que recebeu dinheiro do PT como "pessoa física" porque, se admitir ter transferido recursos para os cofres do PTB e amanhã ficar provado que o dinheiro é público, o partido corre o risco de extinção. Como entidades de direito privado, agremiações partidárias não podem receber verbas públicas sem justificativa legal, sob pena de terem seus registros cassados na Justiça Eleitoral. Perante a lei, o partido é como uma empresa ou uma organização não-governamental. É uma associação de pessoas que se juntam pelo interesse de se eleger, fazer política, conquistar o poder. Em última análise não deixa de ser uma junção de propósitos individuais em regime de atuação coletiva. Quando se fala de verbas públicas que transitam de alguma maneira para o caixa dos partidos, o assunto não diz respeito à relação entre entes públicos. Trata-se, isto sim, de uma confusão dolosa entre o público e o privado. No caso do PT, se ficar comprovado que recursos do orçamento, a qualquer título, migraram para o partido, abre-se a possibilidade de uma ação judicial para a cassação da legenda. Está em jogo, portanto, não apenas o destino da atual direção partidária, mas o próprio futuro do partido. Rota da moeda No depoimento de ontem, Marcos Valério Fernandes deixou bem claro o motivo do habeas-corpus preventivo pedido ao Supremo Tribunal Federal: garantir silêncio sobre o destino dos monumentais saques em dinheiro que fez de suas contas nos Bancos Rural e do Brasil. O publicitário, cuja atividade como lobista com interesses primordialmente comerciais admitiu à CPI, tentou desviar o assunto cobrando aos deputados e senadores uma auditoria em seus contratos para que se verifique a lisura da origem do dinheiro. Há tanta utilidade nessa informação quanto na quebra do sigilo bancário de Delúbio Soares como instrumento de investigação do distribuição, ou não, de mesadas a deputados da base governista. Por enquanto não são acusados por receber, mas suspeitos de pagar. |
Entrevista:O Estado inteligente
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quinta-feira, julho 07, 2005
Dora Kramer - A república dos desavisados
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