folha de s paulo
O terceiro ministério do sempre ministro Antonio Delfim Netto, com ou sem pasta a lhe ser conferida por Lula, talvez seja, de todos os episódios de seu admirável currículo, o historicamente mais significativo.
Dono da mais poderosa pena crítica entre os economistas escribas, a esta consegue aliar -o que é raríssimo entre nós nativos- o construtivismo da pesquisa empírica sistemática e uma tremenda criatividade no bordar as "alternativas da hora".
Sempre com o pensamento voltado a uma só meta inabalável: a realização do desenvolvimento nacional, objetivo que, nos dias obscuros de hoje, tornou-se marca de bravura, quando não de loucura.
Nessa toada, o professor nos relembra do efeito positivo do "Orçamento Público equilibrado", tese fartamente discutida pelas escolas fiscalistas dos anos 50 e 60 (o "balanced budget effect"). E ainda extremamente atual, em sua aplicabilidade à solução do nosso grande enigma: o juro alto quase permanente na prática econômica brasileira.
A gravidade do problema pode ser evidenciada no quadro que acompanha esta coluna. Os encargos de juros pagos pelo setor governo, ano a ano, na era do Plano Real, correspondem, simplesmente, à totalidade da dívida líquida acumulada (52%) como proporção do PIB! Para evitar a explosão do endividamento, as administrações de FHC e Lula impuseram um esforço fiscal crescente, o superávit fiscal primário, a partir de 1999, que corresponde, de modo acumulado, a quase 30% do PIB.
Entre o que os juros nos afundaram e o que o superávit fiscal primário e a oferta de moeda nos aliviaram, a dívida pública cresceu, ainda assim, perto de 20 pontos percentuais do PIB em uma década, ou quase dois pontos do PIB por ano!
O que é, portanto, a meta de déficit fiscal nominal igualada a zero? Déficit zero é o fim da prática idiota do enxugamento de gelo (é só tentar ficar enxugando gelo para entender ...). É inútil, além de penoso, o esforço de manter elevados os superávits primários, como temos feito estoicamente nos últimos anos, se a política de juros altos destrói esse sacrifício quando repõe, via encargos financeiros, o que a tributação escorchante tirou da circulação monetária.
Obviamente, contribuem de modo igual, os gastos não-financeiros do Estado, que aqui temos denunciado tantas vezes, por crescerem ao dobro da velocidade da renda privada dos brasileiros que financiam a grande gastança pública.
Déficit zero é, sem firulas, o fim do grande carnaval financeiro, um ponto final ao modelo financista que expulsou o modelo produtivo lá pelos anos 80 e ainda se encontra plenamente instalado entre nós, nas práticas de indexação -o atrelamento de preços a um índice qualquer-, seja também pelos títulos públicos indexados ao juro do dia (um verdadeiro crime financeiro, concebido na megainflação dos 1980, e até hoje tolerado com grande cara-de- pau).
Uns e outros tentarão se socorrer de argumentos circulares para afirmar que juro não se controla, que "os mercados são soberanos" e outras bobagens do gênero.
Nada empalidecerá a obviedade de que somos uma casa gastadora demais, que precisa não só recuperar decência na política como ética no gasto público.
Ética, sim, na medida em que o grande pagante da festa é sempre o contribuinte de hoje e as gerações futuras. O atual padrão monetário do real permanece comprometido pela elevada dívida pública e pelo estúpido ágio de risco acumulado nos juros do governo, embora edulcorado pela ranzinza desculpa de que... "é com juros altos que se combate a inflação" (???).
O professor Delfim Netto se dispôs a uma árdua missão em momento delicado da nossa vida republicana, embora com grande potencial de êxito. O Brasil é um país perdulário pelas oportunidades que suas elites deitam fora, por ignorância ou maldade involuntárias. Mas nem sempre foi assim. Já fomos melhores.
Nada nos impede de recuperar a fome de crescimento.
O déficit zero é o início do caminho
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