folha de s paulo
Nascida do casamento de uma premissa equivocada com um paradigma moribundo, a Constituição "retrô" de 1988 teve, no entanto, o mérito indiscutível de pacificar as hostes políticas em torno de um texto comum, capaz de realizar a necessária transição democrática, recém-completada pela ascensão do PT ao poder, em razão das virtudes carismáticas do seu líder. Terminada a transição, é preciso agora consolidá-la. Sem revisão sistemática, a Constituição de 1988 eventualmente afundará a democracia brasileira. Está na hora, portanto, de encarar o desafio de uma Constituinte Revisora.
Mas, para entender melhor o absoluto imperativo dessa revisão constitucional, é importante desvendar o DNA do atual texto da Constituição, que já passou por mais de 40 emendas em 17 anos. O DNA da Carta de 1988 surge de uma premissa errada, conjugada a um paradigma morto. A premissa-mãe da Constituição, ao tempo de sua gestação, era a noção totalmente equivocada de que o Estado brasileiro cabia em suas próprias calças, de que o gasto público cabia na arrecadação. A inflação galopante denunciava a falácia. Esse equívoco, trágico por suas conseqüências, levou os constituintes de 88, em sua leviana generosidade cívica, a empilhar ainda maiores despesas obrigatórias financeiras sobre ombros da União, Estados e municípios -direitos previdenciários sem contrapartida de contribuição prévia, vinculação de despesas ao Orçamento, pessoal CLT transformado em estatutário, garantias irremovíveis a servidores públicos na sua inatividade remunerada e, principalmente, olímpico descaso ao brutal endividamento implícito do setor público, escondido nos bilionários "esqueletos financeiros" que, pouco a pouco, foram pulando fora do armário, ao longo da década de 90. Em 1988, o Brasil marchava firme para a hiperinflação. No entanto, em vez de atacar de frente o abissal desequilíbrio orçamentário e fiscal, que produzia aquela megainflação, os constituintes de 88 solenemente remeteram o problema, no artigo 163 da Carta, a uma lei complementar futura. A questão do ordenamento das dívidas públicas e da responsabilidade fiscal só veio a ser tratada mais de uma década depois!
Somos também filhos de um pai, morto em 1989, sob os escombros do Muro de Berlim, que enterrou um certo tipo de sociedade de sonhos, que tentou se proteger da contaminação do "mau exemplo" capitalista. Ainda ecoa o alerta de Mário Covas, ao pedir "choque de capitalismo" em sua campanha presidencial, ele que fora o autor da sistematização do texto constitucional, responsável pelo "choque anafilático" ao crescimento e à quase impossibilidade de equilíbrio monetário-fiscal do país.
Nessa armadilha ainda estamos hoje, agora sob a batuta de outro personagem da época. Lula, como presidente da República, tem a possibilidade de romper a cadeia que nos aprisiona, convocando uma Constituinte Revisora, a ser escolhida entre cidadãos, com ou sem vínculo partidário, desde que inelegíveis em seguida, no próximo ano de 2006.
Nenhuma providência, tenha o nome de "choque de gestão" ou outra medida de extraordinária competência, terá o condão de nos livrar da cama-de-gato da estabilidade com estancamento em que nos encontramos, com a velocidade requerida pela insatisfação política crescente da população.
Somos, ou nos transformamos, num país atuarialmente quebrado, com imensa população jovem adulta (18 milhões, na faixa de 20 a 25 anos) sem emprego e com sofrível educação, confrontando-se com uma elite refestelada em seus castelos de areia, construídos com a goma dos juros de mau pagador, enquanto a população arca sob a canga dos tributos mais escorchantes do mundo. Não é de esperar que a arquirremendada Constituição de 88 seja veículo adequado para nos conduzir à prosperidade sonhada por todos. O presidente Lula, que foi constituinte de 88 e agora vê, com os olhos da maturidade, a urgência da mudança, deve lançar ao seu próprio partido, às bases de seu governo e, em seguida, às oposições o desafio de uma convocatória imediata pela Constituinte Revisora. Só assim poderemos, com senso de oportunidade, aperfeiçoar o DNA de nossa história recente e passar a limpo as vergonhas do presente.
Entrevista:O Estado inteligente
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