no mínimo
Por recomendação de parentes e amigos, o deputado João Paulo Cunha trocou os estrondos no Congresso pelos sons suaves do campo. Num sítio em São Paulo, descansa da medonha barulheira no saloon conflagrado. Longe de jornais, revistas, rádios e televisores, tenta driblar a insônia denunciada pelas olheiras de porteiro de cabaré. Recentes descobertas da CPI dos Correios incluíram o ex-presidente da Câmara no bando de beneficiários do mensalão. A queda no pântano causou-lhe escoriações generalizadas, algumas feridas e feias fraturas. A recuperação, quando possível, é dolorosa e complicada.
Até que Roberto Jefferson sacasse do coldre o tresoitão, o Brasil só conhecia o João Paulo Cunha com rosto de garotão, modos cordiais, fala mansa, gestos contidos, cada fio de cabelo em seu lugar, óculos pesados de primeiro da classe, afeito a sussurros conciliadores mas disposto a morrer em defesa da estrela vermelha (e de um país sem fome e sem pobres, claro).
O aparecimento de outro João Paulo Cunha informou ao país que o deputado paulista é uma interessante ramificação da grande família dos esquizofrênicos. Em 2003, quando assumiu a presidência da Câmara, o jovem petista já abandonara o templo das vestais para cair na vida. Logo virou concubina de malandros dolarizados. Convertido à devassidão lucrativa, tentou ficar mais dois anos no comando da casa de tolerância.
Até recentemente, a batalha para continuar na presidência, travada por João Paulo com singular ferocidade, era atribuída ao desejo, muito natural, de conservar um ótimo emprego. O cargo transforma seu ocupante no número 3 da linha sucessória, depois do presidente da República e do vice. Tampouco pareciam inspiradas em motivações infames as reações daquele homem habitualmente sereno quando confrontado com denúncias que pioravam a imagem da Câmara. Tamanha indignação talvez traduzisse o enorme apreço pela instituição que representava. Agora se sabe que a essas razões se sobrepunham objetivos nada edificantes.
Ele temia que alguma acusação, desdobrada em investigações rigorosas, acabasse devassando os porões que freqüentava. Se continuasse na presidência, teria boas chances de assassiná-las no berço, como fez em setembro de 2004. Na primeira página, o JB denunciou a existência do mensalão. João Paulo revidou de imediato: era uma notícia falsa, uma fantasia irresponsável. Em seguida, comunicou à nação que, para eliminar possíveis dúvidas, a história seria examinada por uma comissão de sindicância. O júri improvisado não demorou duas horas para inocentar os pais da pátria, condenar os acusadores e engavetar o assunto. Ponto final.
Ponto e vírgula, na visão de João Paulo. Para o bravo advogado de excelências de todos os partidos, a ofensa merecia castigo duro. Além de requerer à Justiça o direito de resposta, patrocinou um processo criminal contra o JB. Só desistiu da ação depois de publicado o artigo que alternava lições de ética e reprimendas a jornalistas abusados. Na semana passada, em vez de textos farisaicos, o ex-presidente da Câmara redigiu uma carta de renúncia. Não consumou o gesto extremo. Em busca da paz perdida, partiu para o sítio.
Enquanto conta carneiros para apressar o sono, a CPI dos Correios conta donativos entregues ao deputado pela dupla Valério e Delúbio. Os R$ 50 mil retirados pela mulher de João Paulo são, no jargão do pistoleiro Bob Jefferson, mera peteca. Há notáveis boladas à espera dos investigadores, resultantes da harmoniosa parceria formada pelo deputado e pelo inacreditável Marcos Valério.
Essa bonita amizade nasceu em 2002, com a escolha de Marcos Valério para cuidar da campanha de João Paulo em Osasco. O noivado foi celebrado quando João Paulo, candidato único à presidência da Câmara, achou necessário contratar um publicitário para ajudá-lo a vencer concorrentes imaginários.
O casamento chegou com a licitação que fez de Marcos Valério o responsável pela imagem da Câmara. O homem da mala preferiu tratar dos bolsos dos parlamentares. Coberto de lama pelo escândalo do mensalão, o Legislativo hoje parece tão confiável quanto os prédios de farinha do demolidor Sérgio Naya.
"Não vou cair sozinho", ameaçou João Paulo antes de seguir para o mundo rural. Pode esquecer o medo da solidão. Quando a casa desabar, ele verá muitos amigos por perto. Todos buscando alguma saída no meio dos escombros.
Entrevista:O Estado inteligente
- Índice atual:www.indicedeartigosetc.blogspot.com.br/
- INDICE ANTERIOR a Setembro 28, 2008
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Arquivo do blog
-
▼
2005
(4606)
-
▼
julho
(532)
- Do foguetório ao velório Por Reinaldo Azevedo
- FHC diz que Lula virou a casaca
- DORA KRAMER A prateleira do pefelê
- Alberto Tamer Alca nunca existiu nem vai existir
- Editorial de O Estado de S Paulo Ética do compadrio
- LUÍS NASSIF A conta de R$ 3.000
- As elites e a sonegação JOSÉ ALEXANDRE SCHEINKMAN
- Lula se tornou menor que a crise, diz Serra
- JANIO DE FREITAS A crise das ambições
- ANTÔNIO ERMÍRIO DE MORAES Responsabilidade e amor ...
- ELIANE CANTANHÊDE É hora de racionalidade
- CLÓVIS ROSSI Não é que era verdade?
- Editorial de A Folha de S Paulo DESENCANTO POLÍTICO
- FERREIRA GULLAR:Qual o desfecho?
- Editorial de O Globo Lição para o PT
- JOÃO UBALDO RIBEIRO Não é por aí
- Miriam Leitão :Hora de explicar
- Merval Pereira Última instância e O imponderável
- AUGUSTO NUNES :A animada turnê do candidato
- Corrupção incessante atormenta a América Latina po...
- Blog Noblat Para administrar uma fortuna
- Diogo Mainardi Quero derrubar Lula
- Tales Alvarenga Erro tático
- Roberto Pompeu de Toledo Leoa de um lado, gata dis...
- Claudio de Moura Castro Educação baseada em evidência
- Dirceu volta para o centro da crise da Veja
- Ajudante de Dirceu estava autorizado a sacar no Ru...
- Até agora, só Roberto Jefferson disse a verdade VEJA
- O isolamento do presidente VEJA
- VEJA A crise incomoda, mas a economia está forte
- veja Novas suspeitas sobre Delúbio Soares
- VEJA -A Petrobras mentiu
- Editorial de O Estado de S Paulo A conspiração dos...
- DORA KRAMER O não dito pelo mal dito
- FERNANDO GABEIRA Notas de um pianista no Titanic
- Economia vulnerável GESNER OLIVEIRA
- FERNANDO RODRIGUES O acordão
- CLÓVIS ROSSI A pizza é inevitável
- Editorial de A Folha de S Paulo A SUPER-RECEITA
- Editorial de A Folha de S Paulo O PARTIDO DA ECONOMIA
- Zuenir Ventura O risco do cambalacho
- Miriam Leitão :Blindada ou não?
- A ordem é cobrar os cobradores
- Mas, apesar disso, o PSDB e o PFL continuam queren...
- Em defesa do PT Cesar Maia, O Globo
- Senhor presidente João Mellão Neto
- Editorial de O Estado de S Paulo 'Novo fiasco dipl...
- Editorial de O Estado de S Paulo 'Erros', fatos e ...
- DORA KRAMER Um leve aroma de orégano no ar
- Lucia Hippolito :À espera do depoimento de José Di...
- LUÍS NASSIF Uma máquina de instabilidade
- ELIANE CANTANHÊDE Metralhadora giratória
- CLÓVIS ROSSI Socorro, Cherie
- Editorial de A Folha de S Paulo SINAIS DE "ACORDÃO"
- Editorial do JB Desculpas necessárias
- Villas-Bôas Corrêa A ladainha dos servidores da pá...
- Editorial de O Globo Acordo do bem
- Miriam Leitão :Apesar da crise
- Luiz Garcia A CPI e os bons modos
- Merval Pereira Torre de Babel
- DILEMA PETISTA por Denis Rosenfield
- Ricardo A. Setti Crise mostra o quanto Lula se ape...
- Um brasileiro com quem Lula preferiu não discutir ...
- Editorial de O Estado de S Paulo Do caixa 2 ao men...
- Que PT é esse? Orlando Fantazzini
- Alberto Tamer China se embaralha para dizer não
- DORA KRAMER Elenco de canastrões
- LUÍS NASSIF Uma questão de tributo
- PAULO NOGUEIRA BATISTA JR. Antídoto contra a mudança
- JANIO DE FREITAS Questão de ordem
- Responsabilidade DENIS LERRER ROSENFIELD
- DEMÉTRIO MAGNOLI A ética de Lula e a nossa
- ELIANE CANTANHÊDE Caminho da roça
- CLÓVIS ROSSI Legalize-se a corrupção
- Editorial de A Folha de S Paulo PRISÃO TARDIA
- Lucia Hippolito :Uma desculpa de Delúbio
- Cora Ronai Não, o meu país não é o dos delúbios...
- Miriam Leitão Dinheiro sujo
- MERVAL PEREIRA Seleção natural
- AUGUSTO NUNES Tucanos pousam no grande pântano
- Villas-Bôas Corrêa- Lula não tem nada com o governo
- José Nêumanne'Rouba, mas lhe dá um bocadinho'
- Entre dois vexames Coluna de Arnaldo Jabor no Jorn...
- Zuenir Ventura Apenas um não
- Editorial de O Estado de S. Paulo As duas unanimid...
- Luiz Weiss O iogurte do senador e a "coisa da Hist...
- Nunca acusei Lula de nada, afirma FHC
- Editorial de O Estado de S Paulo Triste tradição
- Editorial de O Estado de S Paulo Lula sabe o que o...
- A mentira Denis Lerrer Rosenfield
- As duas faces da moeda Alcides Amaral
- LUÍS NASSIF O banqueiro e a CPI
- FERNANDO RODRIGUES Corrupção endêmica
- CLÓVIS ROSSI Os limites do pacto
- Editorial de A Folha de S Paulo O CONTEÚDO DAS CAIXAS
- Editorial de A Folha de S Paulo A CRISE E A ECONOMIA
- DORA KRAMER À imagem e semelhança
- Miriam Leitão :Mulher distraída
- Zuenir Ventura aindo da mala
- Merval Pereira Vários tipos de joio
-
▼
julho
(532)
- Blog do Lampreia
- Caio Blinder
- Adriano Pires
- Democracia Politica e novo reformismo
- Blog do VILLA
- Augusto Nunes
- Reinaldo Azevedo
- Conteudo Livre
- Indice anterior a 4 dezembro de 2005
- Google News
- INDICE ATUALIZADO
- INDICE ATE4 DEZEMBRO 2005
- Blog Noblat
- e-agora
- CLIPPING DE NOTICIAS
- truthout
- BLOG JOSIAS DE SOUZA
Nenhum comentário:
Postar um comentário