Entrevista:O Estado inteligente

quinta-feira, julho 07, 2005

AUGUSTO NUNES :A força dos humilhados

JB 

As primeiras rachaduras no trono ocupado por Fernando Collor surgiram com as revelações do irmão do monarca. Mas quem o reduziu a escombros foi o plebeu Eriberto França. Pedro Collor escancarou a roubalheira comandada por PC Farias, tesoureiro do reino. Faltavam-lhe, contudo, provas e evidências que sobravam a um humilde servidor da corte. Ao depor na CPI do PC, mesmo sitiado pela tropa de choque de Collor, o motorista comportou-se com a serenidade dos sinceros. E o rei ficou nu. O desfecho do caso ofereceu ao país uma preciosa lição: havendo culpa no cartório, até o presidente pode ser vencido por um homem comum, sem dinheiro e sem poder, mas disposto a contar a verdade.

Não fora difícil a Eriberto tornar-se depositário de segredos de grosso calibre. As trapaças do destino o haviam levado ao coração do poder. Ali, como ocorre a milhões de brasileiros humildes, foi tratado pelos patrões como se não existisse fisicamente, como se não tivesse olhos, ouvidos e boca, como se lhe faltassem cabeça e sentimentos. Como uma não-pessoa.

Os chefes o chamavam pelo nome e lhe atribuíam tarefas. Mas pareciam ignorar a presença de Eriberto, numa sala ou no banco da frente, quando conversavam sobre temas de altíssima voltagem. Diziam o que não se diz e faziam o que não se faz com testemunhas por perto. Não por confiarem na discrição do funcionário, e sim porque não-pessoas são invisíveis.

Ontem como hoje, assim são tratados incontáveis motoristas, motoboys, secretárias, mensageiros, cozinheiras ou garçons. Convencidos de que a manta da impunidade, tricotada pela mãe gentil, haverá de cobri-los até a morte, delinqüentes poderosos não fecham o cardápio de negociatas quando entra o garçom. Nem interrompem tramas telefônicas mesmo com a secretária a um metro de distância. Não-pessoas, imaginam, são inofensivas.

A CPI dos Correios, promovida a CPI da gatunagem cinco estrelas, mostra um Brasil pelo avesso: a roubalheira agora envolve figurões do PT, grandes inquisidores há 13 anos. O deputado Roberto Jefferson, um dos coronéis da velha tropa de choque, agora virou Pedro Collor e roubou o discurso da antiga oposição. A tropa de choque hoje é formada por parlamentares petistas. Só as não-pessoas estão onde sempre estiveram. E começaram a falar. A primeira foi Fernanda Karina, ex-secretária de Marcos Valério, um dos operadores do mensalão. Fernanda é a peça inicial do quebra-cabeças que, completado, exibirá uma figura semelhante a Eriberto. A secretária revelou os nomes dos funcionários que recolhiam malas cheias de dinheiro retirado da conta do chefe. Eles já foram convocados pela CPI.

A versão piorada da quadrilha montada por PC pode acabar implodida por um motoboy.

Recado de Chico Alencar

O colunista recebeu do deputado Chico Alencar (PT-RJ) a seguinte mensagem: "Estou aqui incomodado com sua afirmação de que me uni 'aos advogados do bandido'. Se forem do Marcos Valério, não os conheço. E nessa história há vários bandidos, não apenas um. Não topei, nem toparei jamais, 'arriar a bandeira da ética na política' para 'confundir e intimidar' ninguém. Não aceito nem aceitarei sugestões de 'espíritos santos de orelha' para 'pegar leve' com aliados do governo no Conselho de Ética, onde por enquanto sou titular. Questionei alguns aspectos do relato da secretária Fernanda que, essencialmente sincera, tem também suas contradições. Ela, por exemplo, afirmou que só lembrava de contatos do tal Valério com Delúbio e outros petistas notórios. Omitiu relações com Daniel Dantas, Pimenta da Veiga, o governo do Distrito Federal e o deputado do PMDB José Borba. Talvez 'orientada pelo seu novo advogado', como disse, venha abrindo informações paulatinamente, como este não herói, mas vilão contrariado, Roberto Jefferson. Claro que esse procedimento não desqualifica as denúncias (que merecem apuração rigorosa). Nem dessa figura nada exemplar do deputado-tenor, muito menos desta testemunha importante que é a Fernanda Karina. Ela, aliás, no intervalo daquela sessão, conversou comigo e, de forma serena e quase fraterna, afirmou que 'amava muito o PT' e que 'tinha votado em Lula, Nilmário, Patrus'... Não foi conversa de quem se sentiu 'intimidada' - intimidação que reconheço que outros petistas praticaram."

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