O presidente Lula está claramente tentando adiar o começo do período
"pós-Lula", prolongando sua permanência no poder com a expectativa de
continuidade através da candidata Dilma, ou de uma atuação política
comandando a oposição. Ao dizer que Dilma não cresce nas pesquisas
porque ele ainda não subiu nos palanques com ela para pedir votos,
Lula alimenta sua lenda para evitar a debandada dos aliados.
Enquanto isso, o candidato tucano, José Serra, está levando longe
demais a estratégia de se colocar como o "pós-Lula", figura que o
exgovernador de Minas Aécio Neves criou quando ainda disputava a
candidatura com Serra dentro do PSDB.
De tanto se esforçar para demonstrar que não é um adversário de Lula,
o candidato tucano chegou ao cúmulo de dar um cheque em branco ao
presidente no caso do reajuste dos aposentados que ganham mais de um
salário mínimo, apoiando de antemão qualquer que seja a decisão do
presidente.
Quando um não quer, dois não brigam, é esse recado que Serra está
enviando diariamente a Lula, dificultando a estratégia oficial de
transformálo no "anti-Lula".
Embora esteja dando certo, a estratégia tem que ser bem calibrada,
para não transformar Serra em um candidato sem forma nem conteúdo.
A terça parte do eleitorado que vota naturalmente no PSDB pode estar
achando até graça na estratégia, mas a outra terça parte, que não é
nem tucana nem petista, e está esperando as propostas dos candidatos
para se definir, pode ficar confusa com o malabarismo de Serra.
Numa coisa, no entanto, ele está certo: no lançamento da proposta de
governo de união nacional em torno de um projeto de país.
Houve diversos momentos nos últimos anos em que PT e PSDB, os dois
partidos que dominaram a política nacional nos últimos 20 anos,
estiveram a ponto de unir forças, mas as contingências políticas só
fizeram afastá-los.
O próprio presidente Lula revelou mais de uma vez a vontade de
procurar o PSDB para poder abrir mão de acordos fisiológicos no
Congresso, mas as primeiras tentativas foram bloqueadas pela definição
do então chefe do Gabinete Civil, José Dirceu, que considerou que a
aproximação seria uma derrota.
Lula acabou convencido de que o PSDB queria ser chamado para provar a
incapacidade dos petistas de governar.
O ex-presidente Fernando Henrique revelou anos depois que, ao fazer a
transição de poder da maneira cordial e transparente, considerava a
possibilidade de estar criando um clima político favorável à
aproximação dos dois partidos, o que acabou não acontecendo.
O mensalão, em 2005, acabou se transformando em um obstáculo
intransponível à aproximação, exacerbando as diferenças em vez de
ressaltar as proximidades.
À medida que o modelo de Estado petista foi se revelando mais
empreendedor do que indutor, e que o aparelhamento da máquina pública
pelos sindicalistas do PT e seus aliados foi se transformando em uma
prática política característica, estabeleceu-se uma distância difícil
de superar entre os dois partidos.
A candidata do PV à Presidência, senadora Marina Silva (AC), definiu a
situação ao comparar a maneira de governar do PT com a do PSDB,
dizendo que os tucanos se apoiaram no que há de pior no PFL, e o PT no
que há de pior no PMDB.
"Precisamos acreditar na ética dos valores. Tentamos governar sozinhos
no PT, sem dialogar com PSDB e acabamos com o pior do PMDB", definiu
Marina.
A ideia de, no "pós-Lula", conseguir um acordo com o PT, ou setores do
partido, para a aprovação de reformas estruturais como a
previdenciária ou a tributária, é uma tentativa de dar um passo à
frente no nosso processo político.
Mas, em vez de ser uma heresia, como definiu Serra, é mesmo uma utopia
difícil de ser realizada.
Ainda mais agora que Lula dá mostras de que não está à vontade no
figurino de futuro ex-presidente, e já envia avisos de que continuará
atuando na política nacional, coisa que ele sempre criticou no
ex-presidente Fernando Henrique Cardoso.
No mais recente arroubo de índole continuísta, Lula pediu para ser
convidado pelas centrais sindicais no próximo 1ode maio, "porque, se
for alguém ruim, a gente vem aqui meter o pau; se for alguém bom, a
gente vem aqui ajudar e aplaudir".
Aos poucos, Lula vai definindo seu papel político no futuro, agora que
parece que sua carreira internacional, com a aproximação com o Irã e
tropeços em relação aos direitos humanos, já não tem aquela mesma
perspectiva exitosa anteriormente avistada por seus assessores.
Nesse ponto pode estar o erro de cálculo da oposição na estratégia do
"pós-Lula".
Há quem considere um erro político definir sua saída do governo como o
início da era pós-Lula, pois sua influência na política brasileira
continuará grande, a exemplo da de Getulio Vargas.
Na crise do mensalão, quando parecia que Lula não se recuperaria, o
expresidente Fernando Henrique Cardoso orientava a oposição a não
pressionar em busca do impeachment por duas razões: o receio de uma
reação dos chamados "movimentos sociais", e a possibilidade de,
destituído, Lula se transformar em um "Getulio vivo", numa alusão à
morte de Getulio, que provocou uma comoção nacional.
Na atual situação, Lula será na verdade um "Getulio vivo", controlando
o "lulismo".
Para que esse cenário se realize, Lula precisa de uma radicalização
política, não pode deixar que se instale no imaginário do eleitor
brasileiro a ideia de que seu governo é um desdobramento do de FHC, e
que, portanto, Serra pode ser também a continuidade.
Tem que vender a falsa ilusão de que é justamente o inverso, e que, se
o vitorioso for Serra, estará dado o sinal para um retrocesso social e
econômico do país.
Isso acontecendo, Lula estará no palanque da CUT no próximo 1ode maio
"metendo o pau" no governo tucano, preparando o terreno para uma volta
triunfal em 2014.