Entrevista:O Estado inteligente

quarta-feira, junho 18, 2008

Augusto Nunes- A infame vitória dos 11 soldados


Até dezembro passado, só nos morros do Haiti podiam ser vistas unidades do Exército brasileiro destacadas para garantir a lei e a ordem em favelas flageladas por bandos criminosos. Quase 1.300 soldados estão lá desde 2004, incorporados ao contingente de capacetes azuis que lutam pela paz sob a bandeira da ONU. Como a Constituição proíbe a participação das Forças Armadas em conflitos urbanos, a entidade internacional teve de aguardar o endosso de numerosas instâncias antes que o presidente Lula autorizasse formalmente o embarque das tropas.

No fim do ano, o senador Marcelo Crivella (PRB-RJ), que lidera as pesquisas eleitorais sobre a disputa pela prefeitura do Rio, conseguiu em poucos dias o que custou alguns meses à ONU. Ao ex-bispo da Igreja Universal, parceiro fiel do vice-presidente José Alencar e sócio remido do Clube dos Amigos de Infância de Lula, bastaram três ou quatro conversas para que o governo federal topasse confiar ao Comando Militar do Leste (CML) a missão de proteger o canteiro de obras de um certo Projeto Cimento Social.

Fruto mais recente do canteiro de votos que o senador cultiva há anos no Morro da Providência, o projeto promete reformar 780 casas habitadas por eleitores do lugar. Grande idéia, animou-se o ministro das Cidades, Márcio Fortes, que se dispôs prontamente a pagar a conta de R$ 12 milhões. O ministro da Defesa, Nelson Jobim, achou que aquilo merecia um esquema de segurança fardado. E o general Enzo Peri, comandante do Exército, instruiu o general Luís Cesário da Silveira Filho, comandante da CML, para manter a bandidagem do Morro da Providência, controlado pelo Comando Vermelho, à distância do canteiro de Crivella.

No sábado, a manobra que transformara uma favela carioca numa sucursal clandestina do Haiti foi estrondosamente implodida pela patrulha formada por um tenente, três sargentos e sete soldados. Excitados pela sensação de que o destino lhes concedera o governo do morro, os militares decidiram ir à guerra na noite do último sábado. Entenderam que haviam sido desacatados por cinco jovens que chegavam de um baile funk. Dois conseguiram escapar dos carrascos. Os outros foram assassinados.

Segundo o depoimento dos algozes, a execução foi consumada por bandidos da Associação Amigos dos Amigos, ou ADA, facção que administra o Morro da Mineira. Depois de uma escala no quartel, afirmam os participantes da expedição selvagem, os captores teriam optado por "entregar o presente" aos donos da favela vizinha. Os policiais que investigam o crime têm motivos para suspeitar de que os próprios soldados consumaram a sentença.

A ação da patrulha destacada para servir no canteiro de obras de Crivella seria um obsceno elogio da brutalidade ainda que erigida sobre os cadáveres de marginais militantes. Pode tornar-se um monumento ao horror se confirmadas as agravantes terríveis. David Wilson Silva (24 anos), Wellington Gonzaga Ferreira (19) e Marcos Paulo Campos (17) não tinham antecedentes policiais. Até agora, nada sugere que estavam ligados a alguma ramificação do crime organizado. Nesse caso, foram torturados sem ter nada a revelar. Morreram sem saber por quê.

O país exige o imediato esclarecimento da conspiração que atropelou a Constituição para favorecer um candidato. O chefe do Comando Militar do Leste desaconselhou, num parecer remetido ao superior imediato, a presença de tropas no Morro da Providência. O secretário de Segurança do Rio declarou no Congresso, há semanas, que soube pelos jornais da frente aberta pelo Exército nas cercanias do Projeto Cimento Social. O prefeito César Maia também ficou à margem dos entendimentos. Quem participou dos acertos ilegais? O que tem a dizer o comandante do Exército? E o ministro das Cidades? E o ministro da Defesa? E o senador Marcelo Crivella?

Lula, claro, nada tem nada a dizer. Decerto não soube de nada.

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