Entrevista:O Estado inteligente

sábado, maio 12, 2007

VEJA Entrevista: José Sergio Gabrielli

Visão de longo prazo

O presidente da Petrobras acha que a saída na Bolívia foi honrosa e diz que o petróleo sobreviverá à era do petróleo


Ronaldo França


Oscar Cabral

"Não houve nenhum dano
à propriedade privada
nas refinarias. Nós nunca
perdemos o controle"

Toda quinta-feira, o economista José Sergio Gabrielli, presidente da Petrobras, troca o terno por trajes mais confortáveis. É o dia em que não tem compromissos extersé enganosa. Nas reuniões internas das quintas-feiras é analisada meia centena de projetos. As discussões consomem o dia inteiro de trabalho. São projetos em que se decide a alocação de alguns bilhões de reais. Não é algo que se faça sem grandes doses de tensão. Na quinta-feira passada, no entanto, o que estava em jogo era livrar-se de um tormento, criado por quem também não usa paletó e gravata, mas prefere o manto de alpaca. Ele mesmo, o presidente da Bolívia, Evo Morales. Embora notório pelo estilo combativo, Gabrielli demonstrava paciência com o boliviano. Mais com o boliviano do que com quem quer vê-lo endurecendo as negociações com o vizinho. "Tem gente que quer ver sangue", desconversa. No dia em que a empresa decidiu vender por 112 milhões de dólares duas refinarias à Bolívia, Gabrielli falou a VEJA.

Veja – Negociamos mal com Evo Morales?
Gabrielli – Não negociamos mal. Essa visão é um equívoco. É preciso entender que a situação jurídica dessa relação da Petrobras com a Yacimientos Petrolíferos Fiscales Bolivianos é muito antiga e isso lhe confere uma complexidade muito grande. O primeiro acordo é de onze anos atrás. De lá para cá, muita coisa mudou. O arcabouço jurídico da atividade do mercado de petróleo na Bolívia mudou. Eles tiveram um processo de privatização profundo. No Brasil também houve uma série de novidades, como a flexibilização do mercado de combustíveis e o lançamento de papéis da Petrobras na Bolsa de Nova York. Portanto, não se trata simplesmente de escolher uma decisão menos ou mais dura. Temos na mesa aspectos técnicos e jurídicos complicadíssimos.

Veja – Se o governo brasileiro tivesse endurecido o jogo no momento em que a Bolívia colocou o Exército nas refinarias, há um ano, teria sido diferente?
Gabrielli – Tenho certeza de que, se tivéssemos feito isso, a situação da negociação agora não teria sido tão confortável. Tem muita gente que diz isso, que deveríamos ter endurecido. É quase possível perceber filetes de sangue escorrendo pelo canto da boca dos que defendem essa posição. Em primeiro lugar é preciso esclarecer que a Bolívia não colocou o Exército na refinaria. Eles cercaram a refinaria...

Veja – Não se pode esquecer também que as refinarias são propriedade privada e a ação militar foi um disparate...
Gabrielli – Mas não houve nenhum dano à propriedade privada. Nós, em nenhum momento, perdemos o comando. Olha que eles tentaram até nomear pessoas para a diretoria. Assinaram um documento com a nomeação. Nós não aceitamos e essa pessoa nunca chegou perto de nossa operação. Nós simplesmente não aceitamos e pronto.

Veja – Para muitos analistas, o preço de 112 milhões de dólares pelo qual a Petrobras vendeu as refinarias à Bolívia foi irrisório. Internamente, a Petrobras falava em 200 milhões de dólares como valor justo. Não foi um mau negócio?
Gabrielli – Foi um ótimo negócio. Uma empresa vale pela sua projeção de caixa futuro. Pelo faturamento estimado. Por esse prisma, foi ótimo. O gás que trazemos da Bolívia é o que importa mais.

Veja – A sigla PAC poderia ser descrita como "Petrobras Apóia o Crescimento", já que a empresa vai praticamente levar o pacote do governo nas costas. São 171 bilhões de reais em um total de 504 bilhões. Não é um peso grande demais para a empresa?
Gabrielli – Não, porque são todos projetos nossos que já estavam em andamento. Coisas que já prevíamos em nosso planejamento. O que há é que o A do PAC significa aceleração. Foi isso que fizemos com vários deles. Antecipamos alguns e aceleramos a execução de outros de acordo com a prioridade.

Veja – Mas a prioridade do governo não necessariamente é a dos milhares de acionistas da empresa. O governo, embora seja o controlador, é dono de somente 35% das ações. Não lhe parece injusto sacrificar o lucro e os dividendos dos demais acionistas?
Gabrielli – Não, porque não sacrificamos nada. Todos são projetos que já executaríamos de qualquer forma, que acrescentam valor à empresa. Cada empreendimento de uma empresa como a Petrobras, cada projeto, tem milhares de fases e variáveis. O que eventualmente acontece é que algumas delas são adiantadas. Mas isso é um processo normal, é rotina que acontece todos os dias em uma empresa desse tamanho. Asseguro que não perdemos uma mínima dose de eficiência. Continuamos crescendo. Quando lançamos as ADRs (certificados negociados que representam uma ou mais ações de uma companhia estrangeira) na Bolsa de Nova York, em 2000, os dez maiores investidores detinham 63,8% dos papéis. Hoje, eles têm apenas 36,2%. Isso é sinal de que a companhia se mantém muito atrativa para os investidores.

Veja – Mas não deixar de crescer não significa crescer quanto se pode. Nesse caso não estariam em risco a eficiência e a produtividade?
Gabrielli – Isso é um mito, mas que algumas pessoas repetem com freqüência. Em 2006, nosso lucro líquido cresceu 22,3%, o que foi o maior crescimento entre as cinco maiores empresas no mundo inteiro. Então, isso é uma falácia.

Veja – A Petrobras por vezes parece sofrer de uma certa falta de transparência...
Gabrielli – Vou lhe dar uma medida de como isso não procede. Somos a maior empresa brasileira e temos o maior volume de negociação de ações entre as 400 maiores empresas com ADR da Bolsa de Nova York. Há pelo menos cinqüenta analistas de bancos, corretoras ou instituições que produzem o tempo inteiro para seus clientes relatórios sobre a empresa. Além disso, somos controlados pelo Tribunal de Contas da União, pela Agência Nacional do Petróleo, pela Comissão de Valores Mobiliários e até por sua contraparte americana, a SEC, cujo rigor todo gestor de empresa aberta conhece sobejamente.

Veja – A desconfiança vem de alguns contratos que parecem tisnados por preferência política. O mais recente é o contrato com a Abemi (Associação Brasileira de Engenharia Industrial), entidade que congrega diversas empresas que contribuíram com deputados petistas na última campanha...
Gabrielli – Não há nenhum vínculo da Petrobras com as empresas associadas à Abemi, as quais supostamente estaríamos beneficiando. Além do mais, o trabalho desenvolvido nesse projeto é de extrema relevância. É o mapeamento e a qualificação de mão-de-obra para o mercado de trabalho do setor de petróleo, em todos os pontos da cadeia produtiva. Não há irregularidade. Fiquei realmente muito aborrecido com essa notícia.

Veja – Hoje as coisas estão serenas, mas no passado recente a Petrobras parecia em guerra com a imprensa...
Gabrielli –
Defendo minhas posições sem medo. Nesse caso, fiquei muito irritado com o que considero um erro grosseiro da imprensa e me coloquei muito fortemente contra isso. Tive até um problema com um repórter, o que acabou tendo muita repercussão. Mas agi assim porque não gostei do que ele fez. Eu sou assim. Se tenho de fazer carinho, faço carinho; se tenho de tratar bem, trato bem. Se tenho de brigar, brigo.

Veja – Em vários contratos foram realmente encontradas irregularidades, como naquele famoso da GDK...
Gabrielli – O TCU emite dezenas de relatórios todas as semanas. Alguns têm problemas, mas a imensa maioria não tem.

Veja – O da GDK tinha...
Gabrielli – Insisto: uns contratos têm e outros não. Uns têm falhas em determinada fase da investigação do TCU, mas essas falhas são corrigidas posteriormente. Isso é normal em uma empresa do tamanho da Petrobras. Depois do caso GDK, o que fizemos foi aprimorar os sistemas internos. Aumentamos a segurança nos processos. Fizemos com que a pessoa que contrata não seja mais a pessoa que fiscaliza, e criamos uma série de procedimentos para que os problemas constatados pelo TCU não voltem a acontecer.

Veja – Como o presidente da maior estatal brasileira faz para lidar com as indicações políticas inevitáveis em uma empresa que tem o governo como sócio controlador?
Gabrielli – A Petrobras tem um conselho de administração no qual se sentam nove membros. O único deles que tem ligação com a empresa sou eu. As nomeações para a diretoria precisam ser aprovadas por esse conselho.

Veja – O senhor certamente não está dizendo que não há indicações políticas na Petrobras...
Gabrielli – Não. Estou dizendo que as decisões sobre contratação deste ou daquele profissional passam pelo conselho.

Veja – Mas isso não impede as indicações. O fato principal a saber é quanto essas indicações minam a eficiência da empresa.
Gabrielli – Não minam coisa alguma. Dos seis diretores da Petrobras, só um não é dos quadros da empresa, que é o Ildo Sauer (diretor de gás e energia). Ele é um professor da USP altamente qualificado.

Veja – Mas há casos de pessoas que, embora sejam funcionários de carreira, já estavam quase aposentadas quando foram chamadas de volta, apenas por ligações partidárias, como o diretor de exploração e produção, Guilherme Estrella...
Gabrielli – Eu sabia que você iria falar dele. Isso que se diz do Estrella é um absurdo. O sujeito tem mais de trinta anos de Petrobras, é supercompetente. Pegam no pé dele porque era presidente do diretório do PT de Friburgo, algo, aliás, de que ele se orgulha muito, como me disse outro dia mesmo. Ele é respeitado na empresa, onde ninguém duvida de sua capacidade. Isso é que importa.

Veja – As companhias de petróleo estão mudando seu perfil, voltando-se para a energia. Algumas estudam se mostrar ao público como empresas de "sustentabilidade". Com que empenho a Petrobras vai entrar no mercado de etanol e nas novas energias?
Gabrielli – O etanol é uma excelente perspectiva para o Brasil e temos investido muito nisso. A parte da conta de investimentos da Petrobras destinada a pesquisa e desenvolvimento é de 0,5%. Alguém pode dizer que é pouco. Mas o fato é que estamos falando de 0,5% de 87 bilhões de dólares, que é quanto vamos investir entre 2007 e 2011. São 435 milhões de dólares. Isso é uma enormidade de dinheiro. Temos pesquisas nessa área, inclusive no desenvolvimento da lignocelulose, que é álcool a partir da celulose, um componente que vai aumentar tremendamente a produtividade do etanol.

Veja – O cubano Fidel Castro e o coronel Hugo Chávez andam dizendo que a produção do etanol vai ser feita em prejuízo do plantio de alimentos. O senhor concorda com eles?
Gabrielli – De forma alguma. Ambos estão equivocados. O problema da fome no mundo não é de falta de comida e tampouco de áreas para plantar. O problema é de distribuição dos alimentos e de falta de renda para adquiri-los. A cana ocupa, no Brasil, uma área muito menor do que a que ainda temos disponível para plantio. Há terras abandonadas por outros cultivos, que podem ser usadas. O desenvolvimento da cana vai inclusive recuperar áreas antes usadas pela pecuária. Com relação ao outro problema, que é o da escassez de água, já que a cana consome muito, também não acredito que haja impacto negativo intransponível.

Veja – A recente compra do grupo Ipiranga pela Petrobras, em associação com o Grupo Ultra e a Braskem, não indica uma guinada rumo ao estatismo, a uma presença maior do estado na economia? Por que, afinal, entrar nesse negócio agora?
Gabrielli – Não. Isso só demonstra que a Petrobras quer aumentar sua participação na petroquímica. Nessa mesma direção, estamos construindo um complexo petroquímico que é o maior empreendimento industrial do Brasil. Estamos investindo 8,3 bilhões de dólares. Não porque queiramos aumentar a presença do estado em coisa nenhuma. A razão é estratégica. Quando o mundo estiver vivendo uma nova era, movida a outro tipo de combustível, como o etanol, ainda haverá petróleo por aqui. O petróleo sobreviverá à era do petróleo, mas isso vai se dar principalmente através do plástico e dos produtos petroquímicos. Nossa visão é de longo prazo.

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