Entrevista:O Estado inteligente

sábado, maio 12, 2007

Stephen Kanitz


Comportamento exemplar

"Os grandes exemplos humanos não são
mais exaltados pelos poetas, cineastas
e historiadores de hoje, como antigamente"

Se almejarmos somente a média, seremos medíocres. Se almejarmos a excelência, seremos excelentes. Meu curso de administração dava muita ênfase à psicologia. Foi assim que conheci pessoalmente B.F. Skinner, Carl Rogers e Erik Erikson. O que me chamou a atenção foi a escassa literatura no que chamarei de comportamento exemplar. Ausência de doença não significa ter um corpo saudável e atlético. Ausência de neuroses e fobias não significa ser uma pessoa excepcional. Por que tão poucos modelos de excelência humana são apresentados aos pacientes como exemplos a ser seguidos?

Isso tem a ver com a história da psicanálise e da psiquiatria, que surgiu da observação dos pacientes com distúrbios mentais que procuravam médicos como Freud, Adler e Jung. O universo de observação ficava assim restrito e enviesado. Por isso, chega-se a conclusões como "os normais são raros, mas existem". Raros são os normais que procuram terapias, raros são os analistas que vão a campo identificar e "analisar" as pessoas excepcionais e que fazem a diferença por aí.

Os grandes exemplos humanos não são mais exaltados em verso e em prosa pelos poetas, cineastas e historiadores de hoje, como antigamente. Superar-se e realizar sonhos tem sido a seara quase exclusiva dos autores de livros de auto-ajuda, razão do seu franco crescimento, com raras exceções. Quem são os pequenos heróis de hoje, as pessoas felizes, as famílias bem-sucedidas, cujos exemplos nos seriam uma lição? Gostaríamos de saber.

Ilustração Atômica Studio


Eu também cometi esse erro de observação no início da minha carreira. Analisava empresas "doentes", empresas concordatárias ou falidas, e delas tirava minhas conclusões. O acesso aos dados de empresas concordatárias era farto, enquanto empresas bem-sucedidas e exemplares escondiam o leite. Afinal, "o segredo é a alma do negócio". Foi quando percebi que algo estava errado na abordagem científica da época e criei, em 1974, a edição Melhores e Maiores, da revista Exame. Passei a procurar identificar e divulgar as melhores empresas deste país, para que elas servissem de exemplo às demais. Em 1981, Tom Peters adotou a mesma abordagem no seu best-seller Em Busca da Excelência, que consagrou esse método também nos Estados Unidos. Hoje, todo livro de administração moderna fala de empresas vencedoras e bem-sucedidas.

Quando a jornalista Gail Sheehy escreveu o livro Pathfinders, em 1981, achei que ela provocaria a mesma revolução no estudo do ser humano. Conhecida pelo livro Passagens, Gail inovou o sistema de observação do ser humano entrevistando pessoas consideradas exemplares pelos seus pares. Ela catalogou 40.000 questionários perguntando: "Quem na sua cidade você admira, quem na sua cidade você emula e gostaria de ser?". Pesquisa jamais replicada no Brasil. Os 200 identificados não eram pessoas "bem-sucedidas" conforme a definição materialista atual por ter dinheiro ou poder, mas pessoas que outros consideravam um exemplo. Gail buscou identificar o positivo, em vez do negativo. Todas as pessoas entrevistadas por Gail quando jovens eram otimistas quanto ao próprio futuro. Tinham uma visão positiva de si e do mundo. Aprenderam essas lições de seus pais, não de seus professores. Tiveram enormes reveses na vida, perderam um filho, separaram-se mais de uma vez, e assim por diante. Todo ser humano tem problemas, e o segredo é saber administrá-los e não se deixar desesperar por causa deles. Ao contrário, foi justamente a correta administração desses problemas que as fez crescer como pessoas. Elas passaram a acreditar em si mesmas como construtoras da própria realidade.

Eu conheço dezenas dessas pessoas excepcionais – como por exemplo irmã Lina, a quem me referi aqui, em VEJA, na edição de 24 de abril de 2002 – que, infelizmente, nossos poetas, cineastas e intelectuais insistem em manter anônimas. Um único dia ao lado dessas pessoas maravilhosas é um tônico revigorante, uma lição de vida e muito melhor do que qualquer antidepressivo que alguém possa receitar.

Stephen Kanitz é formado pela Harvard Business School
(www.kanitz.com.br)

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