Afinal, uma boa notícia no front externo, debilitada por outra ruim: no mesmo dia em que a agência de medição de risco Fitch elevou a classificação do Brasil, colocando nosso país a apenas um degrau do nível que recomenda investimentos, a Petrobrás e o governo brasileiro assinaram com a Bolívia um acordo por meio do qual a empresa estatal boliviana levou duas refinarias por pouco mais da metade do valor justo, com enormes prejuízos para o vendedor (Petrobrás) e para seus 180 milhões de brasileiros acionistas. Além de coincidentes, os dois acontecimentos têm relação entre si e devem servir de reflexão para o governo Lula e o Partido dos Trabalhadores (PT) que o elegeu.
Se o Brasil está agora bem perto da ambicionada classificação a que chegaram Índia, Rússia, Chile e México, deve muito mais à sua confortável situação de credor líquido no front externo, com reservas cambiais equivalentes a quase três vezes sua dívida externa. Já no front interno o quadro é inverso: o País cresce pouco, embora sem risco próximo de calote; a dívida pública é elevadíssima, com pagamentos concentrados no curto prazo, e há um desequilíbrio fiscal estrutural que exige reformas urgentes, que o presidente Lula se nega a tocar porque lhe falta coragem política e alma de estadista para fazer o que o País precisa e não se render a interesses corporativos de grupos. A desconfiança de que uma solução estrutural para o desequilíbrio fiscal não virá no governo Lula é o que separa o Brasil da classificação de grau de investimento.
Mas o que tem a ver a Bolívia com isso? A Bolívia já estava e ficou ainda mais distante da recomendação de investimento das agências quando Evo Morales assumiu o poder. O novo presidente boliviano chegou rompendo contratos, desapropriando ativos de investidores e não os indenizando pelo dinheiro que aplicaram na Bolívia. Morales segue caminho inverso ao desenhado pelas agências de risco e, em vez de atrair, expulsa novos investimentos, não gera novos empregos nem aumenta a renda do trabalho em seu país. Apesar disso, o comportamento político de Morales ainda hoje é saudado por boa parte do PT e até há pouco tempo pelo próprio presidente Lula, que, sem reação, engoliu sua agressão gratuita de acusar a Petrobrás de “contrabandista”, em maio do ano passado.
E por que essa dubiedade entre ficar do lado da Bolívia ou da Petrobrás? Por que há um ano Lula hesitou em tomar atitude mais dura e devolver o desaforo de Morales? Por que até hoje o PT apóia suas bravatas contra o capital estrangeiro? Simplesmente porque as posições políticas de Evo Morales foram historicamente defendidas por Lula e pelo PT. Como atacá-las, criticá-las, sem renegar o próprio passado? Tempos de pregação ideológica sem lógica.
Na época, Lula só não imaginava que ele próprio se transformaria em vítima da engrenagem ideológica que o seduziu um dia. Não pensou que a Petrobrás - empresa que orgulha todos os brasileiros - fosse, no futuro, comparada por um país pobre com a Shell, Exxon-Mobil ou Chevron, com a maldição do capital estrangeiro. E justamente no momento em que é ele o presidente do Brasil. Na verdade, Lula e o PT não tinham plano algum para a Petrobrás. Tanto que seguiram a estratégia desenhada pelo ex-presidente Henri Philippe Reichstul, que levou a estatal a ampliar investimentos no exterior, tornar-se um player internacional, crescer, gerar riqueza, criar empregos e não confinar-se em território brasileiro, encolher, ser eternamente uma inexpressiva empresa de petróleo.
Agora que a Petrobrás engoliu o prejuízo e não vai reaver os US$ 40 milhões que aplicou nas duas refinarias, só resta a Lula suspender todos os investimentos da estatal na Bolívia. É esta a lógica natural de quem não mais confia em governos que rompem contratos, mudam regras e afugentam investidores. Lula que rasgue sua cartilha ideológica do passado. O exercício do governo ensina que o melhor caminho não é o da bravata, mas o da racionalidade política em favor do País e da população. Lula tem aprendido e agora torce para chegar à classificação de grau de investimento, que Evo Morales despreza, seja por oportunismo político, seja por desconhecer o progresso econômico que daí decorre.
*Suely Caldas é jornalista. E-mail: sucaldas@terra.com.br