Entrevista:O Estado inteligente

domingo, maio 13, 2007

'Brasil caminha para crise fiscal'


Economista Raul Velloso alerta que, se governo não brecar as despesas, País terá graves desequilíbrios até 2014

Fernando Dantas

Se a atual política fiscal for mantida, o Brasil chegará a 2014 com um déficit primário da União de 1,9% do Produto Interno Bruto (PIB), o que poderá trazer graves desequilíbrios macroeconômicos, mesmo supondo que o cenário externo permaneça excepcionalmente favorável, como hoje. O alerta é do economista Raul Velloso, especialista em contas públicas, e faz parte da apresentação que ele fará no Fórum Nacional terça-feira (ver reportagem abaixo)

Em 2006, a União contribuiu com 2,1 pontos porcentuais para o superávit primário de 4,31% do PIB (pela série antiga do PIB). Desde 1998, o resultado primário do governo federal tem sido uma peça chave na estratégia de obtenção de grandes superávits primários do setor público consolidado, que foram fundamentais para controlar a explosiva tendência de crescimento da dívida pública. O superávit primário exclui o pagamento de juros.

Velloso trabalha com a premissa de que estão esgotados os dois grandes instrumentos que tornaram viável a obtenção de superávits primários desde 1998: o aumento da carga tributária e a redução, para níveis mínimos, do investimento público. No primeiro caso, ele mostra, em detalhes, no apêndice do trabalho, que a pressão da sociedade contra o contínuo aumento dos impostos levou à atual política de desoneração, que já se constitui num obstáculo para o aumento da carga tributária.

Quanto aos investimentos da União, o estudo observa que 'chegaram a escassos 0,5% do PIB em 2005, com a infra-estrutura pública em estado de grande deterioração'. Como exemplo, Velloso cita o fato de que, em 2006, uma parcela de 83,1% das estradas sob gestão estatal no Brasil estava em estado 'ruim', 'péssimo' ou 'regular' (segundo dados da Confederação Nacional dos Transportes), mesmo depois da 'operação tapa-buracos' do fim de 2005.

Segundo Velloso, 'a manutenção da atual política fiscal, em um cenário de estagnação da arrecadação (por resistência da sociedade à ampliação da carga tributária) levará a uma forte crise fiscal'. Para o economista, a deterioração do resultado primário pode fazer com que a relação entre a dívida pública e o PIB volte a crescer, o que poderia trazer alta dos juros, maior inflação e redução do crescimento econômico.

Para chegar às essas conclusões, ele faz uma detalhada projeção das despesas da União, na suposição de que nenhuma medida mais forte de contenção de gastos será tomada nos próximos anos. Velloso nota que as despesas com benefícios do INSS e os gastos de pessoal da União (com ativos e inativos) correspondem a 68% do gasto primário total. Como quase todos os outros itens da despesa, aqueles gastos são rígidos e tendem a crescer acima do PIB.

Velloso prevê aumentos em diversos outros itens de despesa, como o Bolsa-Família. No cômputo geral, sua projeção é de que as despesas primárias da União saltem de 19,6% do PIB em 2006 para 22,1% em 2014, com o PIB crescendo 3% ao ano, em média, em razão, justamente, dos problemas criados pela política fiscal. Como as receitas ficam praticamente constantes - 19,6% do PIB em 2006 e 19,8% em 2014 -, a União sai de um superávit primário de 2,1% do PIB para um déficit primário de 1,9% nesse período.

O economista também propõe um cenário alternativo, no qual o governo toma diversas medidas de contenção dos gastos, como instituir na Constituição um teto para a despesa de pessoal dos Poderes autônomos, fixar o valor máximo da taxa de crescimento da despesa de pessoal do Poder Executivo e dar reajuste real zero para os benefícios vinculados ao salário mínimo.

Ele refaz as projeções. O crescimento médio acelera para 4,5% ao ano, por causa da estabilidade econômica derivada da política fiscal. Nesse cenário, o superávit primário da União salta de 2,1% do PIB em 2006 para 2,8% em 2014, com as despesas caindo de 17,9% para 17,4%. 'O resultado seria a instauração de um ciclo virtuoso', conclui.

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