O ex-ministro Delfim Netto e, com ele, outros economistas têm sustentado duas afirmações contraditórias entre si.
A primeira delas é a de que são os juros altos os principais responsáveis pela derrubada do dólar no câmbio interno, na medida em que atiçam a especulação e, portanto, a entrada de capitais que procuram tirar proveito dos juros altos. Se o Banco Central equalizasse os juros internos ao nível dos externos, afirma Delfim, acabaria a valorização do real diante do dólar.
A segunda é a de que a derrubada da cotação do dólar (valorização do real) é fator muito mais importante no achatamento da inflação do que a política de juros do Banco Central.
Se a essas afirmações se aplicarem a lógica do jogo de sinuca, se verá que alguma coisa está errada. A bola branca só encaçapa a bola preta quando o jogador impulsiona com seu taco a bola branca. Se de fato são os juros altos que estão derrubando o dólar e se é o dólar baixo que está derrubando a inflação, segue-se que são os juros altos que estão derrubando a inflação, e não o câmbio.
Mais apropriado é dizer que os juros altos não são o principal fator de valorização do real diante do dólar. Esse serviço vem sendo realizado mais pesadamente por três fatores: pelo exuberante resultado da balança comercial, que deverá fechar o quarto ano consecutivo com um superávit superior a US$ 40 bilhões; pelo forte aumento dos investimentos externos diretos líquidos (que deverão ultrapassar os US$ 20 bilhões neste ano); e pela queda do prêmio de risco (hoje nos 152 pontos), que tem a ver com a extraordinária liquidez mundial e com a flagrante melhora das condições da economia.
Por sua vez, os juros atuam, sim, na derrubada da inflação, na medida em que contêm a demanda e, ao mesmo tempo, estimulam a poupança. Não fosse esse efeito, não haveria tanta reclamação de que o Banco Central é um obcecado pela derrubada da inflação, que não opera a política de juros para puxar pelo crescimento econômico, coisa que, de resto, está proibido de fazer.
Mas é óbvio que a âncora cambial cumpre papel importante na contenção da inflação. É a essa propriedade que o câmbio tem de interferir nos preços (tanto para cima como para baixo) que os economistas chamam pass-through. O dólar bem mais barato estimula as importações que, por sua vez, chegam relativamente mais baratas ao mercado interno. Este é elemento que aumenta a concorrência interna e impede que produtores e comerciantes reajustem seus preços acima do similar importado. Tanto isso é verdade que são os produtos comercializáveis (tradeables) que mais concorrem para conter a inflação. Não há concorrência na maioria dos serviços da economia. Não se importam mensalidades escolares, nem serviços de cabeleireira, nem assistência médica, nem serviços públicos.
Algo de que se pode suspeitar é que o Banco Central não vem dando a devida importância ao papel do câmbio na derrubada da inflação. E seria essa desconsideração que estaria mantendo a política de juros relativamente atrasada.
Sempre que questionadas sobre isso, as autoridades da área negam essa desconsideração. Apenas insistem em que nenhum banco central do mundo tem o direito de carregar suas projeções sobre o comportamento futuro dos preços com apostas sobre o comportamento futuro do câmbio.
De todo modo, este é um assunto cuja análise não se esgota nas 113 linhas deste espaço.
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