Deputada com menos de 4 000 votos traz
à tona as distorções do sistema eleitoral
Ricardo Brito
Leopoldo Silva/Folha Imagem |
Luciana, no plenário da Câmara: a menos votada e dona da campanha eleitoral mais barata |
Com a morte do deputado Enéas Carneiro na semana passada, sua suplente, a dentista Luciana Costa, de 34 anos, tomou posse batendo todos os recordes negativos. Entre os atuais 513 deputados, dos quais dezoito são suplentes no exercício do mandato, ninguém teve tão pouco voto quanto Luciana Costa – em números absolutos ou proporcionais. Com os 3.980 votos que obteve em São Paulo, a nova deputada não conseguiria uma cadeira nem pelo estado de Roraima, que concentra o menor eleitorado do país. No cálculo proporcional, a situação também é lamentável. Ela teve 0,02% dos votos válidos do eleitorado paulista. O segundo pior colocado nesse quesito teve mais que o dobro disso (veja quadro). Até tomar posse, Luciana trabalhava como secretária parlamentar de Enéas Carneiro, cuidando de sua agenda e dos telefonemas. Com seu novo emprego, Luciana já chega personificando as imensas distorções que o sistema eleitoral brasileiro produz.
"É uma aberração que só acontece em nosso sistema eleitoral proporcional e no sistema de lista aberta", diz o cientista político David Fleischer, da Universidade de Brasília (UnB). O modelo brasileiro funciona como uma compensação: um candidato bom de voto repassa suas "sobras" para os aliados do seu partido. Mas o que foi concebido para fortalecer os partidos acaba permitindo a eleição de candidatos com votações pífias. Na Finlândia, há um sistema proporcional muito semelhante ao brasileiro, e na Áustria usa-se o modelo das listas abertas, no qual o eleitor vota no candidato, e que também permite essa distorção. Mas em democracias populosas adotam-se regras diferentes. Nos Estados Unidos, cada distrito eleitoral elege seu deputado por maioria simples. Em países como Alemanha, Rússia ou Japão, que têm eleitorado numeroso, funciona um sistema misto, em que se aplicam o sistema distrital e o modelo de listas fechadas, no qual o eleitor vota para o partido. Em nenhum desses modelos é possível que um político se eleja com uma votação de síndico.
Luciana Costa também é símbolo de outra distorção antiga das eleições brasileiras – o financiamento. Em sua prestação de contas, ela informou que gastou pouco mais de 1 800 reais em sua campanha. Isso dá uma média de gasto de 20 reais por dia de campanha, o que, em muitas cidades, não paga nem uma corrida de táxi. No quesito financeiro, Luciana é também uma recordista. Levando-se em conta a prestação de contas oficial dos atuais 513 deputados, ninguém fez uma campanha tão barata quanto ela. A nova deputada é um fênomeno.