Entrevista:O Estado inteligente

sábado, maio 12, 2007

Recorde de irregularidades nas obras do Pan

Recorde negativo

Com fortes indícios de irregularidades e muitas trapalhadas,
os Jogos Pan-Americanos dão um mau exemplo de organização


Ronaldo Soares

Gabriel de Paiva/Ag. O Globo
Estádio do Engenhão: contratos sem licitação na maior obra do Pan

Os Jogos Pan-Americanos do Rio de Janeiro reunirão, em julho, 5.500 atletas de 42 países. Serão disputadas 2.500 medalhas, em 34 modalidades esportivas. Os competidores vão se enfrentar em 29 instalações, proporcionando um espetáculo que será visto por milhões de pessoas pela TV. Mas os números que realmente impressionam são outros. Mesmo antes da conclusão das obras, o Pan do Rio conseguiu a proeza de ser o mais caro da história. Os gastos somam até agora 3,6 bilhões de reais. O custo médio das quatro edições anteriores (Santo Domingo, Winnipeg, Mar del Plata e Havana) ficou muito abaixo: 280 milhões de reais. Ou seja, o Brasil está gastando doze vezes mais para promover o mesmo evento. Nas últimas semanas, VEJA analisou contratos e teve acesso a um ainda inédito relatório do Tribunal de Contas da União (TCU). Além dos gastos exorbitantes, o papelório encerra uma aula de como não se deve organizar uma grande competição internacional.

Contratos sem licitação, obras atrasadas, falta de transparência e estouro de orçamento são os principais problemas. O ministro Marcos Vilaça, do Tribunal de Contas da União, responsável pelo processo, já havia se pronunciado, em relatório anterior, da seguinte forma: "A proximidade dos Jogos fez surgir, para utilizar uma imagem bíblica, uma babel de convênios, licitações e contratações de última hora". De lá para cá, a situação piorou. Para se ter uma idéia da farra olímpica que se estabeleceu com o dinheiro público, o governo federal, que planejava destinar 172,7 milhões de reais aos Jogos, já gastou até agora 1,9 bilhão. Estouro de orçamento é uma praga que assola todos os governos e acontece até nas melhores famílias. O que impressiona agora, porém, é a dimensão. "Em um evento assim, o normal é que se tenha um aumento de até 30% em relação ao orçamento inicial", disse a VEJA José Joaquín Puello, presidente do Comitê Organizador do Pan de Santo Domingo, em 2003. No Rio, a gastança já é quatro vezes maior do que o orçamento inicial.

Não é o único problema. As instalações estão atrasadas e só ficarão prontas às vésperas da competição. A correria deu origem a um sem-número de contratos emergenciais e, pior, dispensas de licitações milionárias. Considerada pelos organizadores a obra-símbolo do Pan do Rio, o Estádio Olímpico João Havelange, conhecido como Engenhão, é também o melhor retrato da caótica preparação dos Jogos (veja quadro). As obras ainda se arrastam. Para tentar contornar o atraso, a prefeitura apelou para a dispensa de licitação e entregou a tarefa às empreiteiras Odebrecht e OAS. Um contrato de 80 milhões de reais, num estádio que custará 400 milhões de reais. Não foi a única obra sem licitação do estádio. Da mesma maneira, a construtora Metropolitana foi contratada por 4 milhões de reais para instalar uma passarela ligando o Engenhão a uma estação de trem. A estação está ali desde 1873, mas os organizadores, certamente tomados de surpresa, deram-se conta de que precisavam interligá-la ao estádio. Além de dispendiosa, a construção do Engenhão é questionável pela localização. Fica a apenas quinze minutos do Maracanã. "O Engenhão é um monumento ao desperdício de dinheiro público", disse a VEJA uma autoridade envolvida na organização dos Jogos.

O Comitê Organizador dos Jogos Pan-Americanos (Co-Rio), presidido por Carlos Arthur Nuzman, também contribuiu para a bagunça. Embora tenha sido alertado, desde maio do ano passado, sobre a preparação das cerimônias de abertura e encerramento, o Co-Rio demorou a tomar providências. Com isso, o prazo ficou curto e o governo federal acabou contratando – sem licitação, claro – a empresa paulista Mondo Entretenimento, por 21,5 milhões de reais. A assessoria do Co-Rio informou que o atraso se deu por falta de dinheiro, mas o TCU alega que havia recursos disponíveis. Além das falhas no planejamento, brigas políticas atrapalharam a preparação dos Jogos. Durante muito tempo, o projeto ficou a cargo quase que exclusivamente do prefeito Cesar Maia, que vivia às turras com o presidente Lula e com a então governadora, Rosinha. Passadas as eleições, o clima político se desanuviou e teve início um esforço conjunto para livrar o Brasil do vexame de não conseguir realizar o evento. Os governantes abriram os cofres. Todos ficaram felizes. O contribuinte, nem tanto.




Foto: Oscar Cabral

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