Entrevista:O Estado inteligente

sábado, maio 12, 2007

Millôr

Outono. Mostrei-lhe a lua no horizonte, tão redonda, tão linda, tão rara. Mas ela me disse, com toda sinceridade: "Prefiro o Faustão".

Millôr também
processado, ora! Ora!

O caso Diogo Mainardi, condenado pelo MR-8, e o caso de Arnaldo Jabor, processado pela tropa de choque do Chinaglia (cuidado com a pronúncia!), tornaram mais visível o ódio que os donos do puder têm por jornalistas. Conto o último processo contra mim, sem sombra da importância do processo contra Jabor e da ameaça vital contra Mainardi. Mas bem mais ridículo. Autor do processo, para me tomar R$ 32 200: Aldo Rebelo.

Motivo: quando ele, do alto do seu saber lingüístico, propôs decreto proibindo o uso de palavras estrangeiras em nossos escritos, comentei: "Ele sabe do que está falando? Quanta idioletice!".

Eu escrevia na Folha de S.Paulo quando o absoluto ignorantibus me processou. Sugeri à advogada Silvana Takano, do departamento jurídico da Folha, esta base para minha defesa:

1) Pra mim, laico, o processo está "prejudicado" em princípio. O deputado bota como meu este texto: "Ele sabe do que está falando? Quanta idiotice!". Ora, eu escrevi idioletice. O deputado confundiu idioletice com idiotice, o que é uma comprovação da mesma.

2) Parêntesis: A língua é a mais complexa, a mais milagrosa, a mais estranha, a mais gigantesca e variada invenção humana. Nada menos sujeito a tutelas autoritárias. Agora, mais uma vez, vê-se um cidadão, "eleito pelo povo", propor lei proibindo o uso de palavras estrangeiras em nossos escritos.

Péra aí: está na sua proposta de governo que ele teria autoridade para interferir no que eu falo, escrevo ou pinto em minha tabuleta? Ele sabe, literalmente, do que está falando?

Quanta idioletice!

3) Não coloquei o nome do autor, já que não era o caso, em se tratando de um absoluto leigo no assunto (e anônimo no geral) sobre o qual pretendia legislar – a língua nossa. Será que o Vossa Excelência aceitaria pequena sabatina de português tipo primeiro ginasial?

4) Bem, o "comprometimento da honorabilidade" do moço, como ele diz, pra ser tão grave, precisaria, pelo menos, que eu tivesse usado seu nome. Sem uso do nome a desonra fica restrita ao convívio de seus pares (e ímpares), que devem conhecer muito bem sua honra, e cultura lingüística.

5) Imune a tudo, o parlamentar tem direito total ao uso da palavra. Não pode ser condenado por isso (mesmo quando sua palavra é caluniosa). Por que o jornalista, que vive só da palavra, não pode nem discordar da legislação semântica do parlamentar sem ser tungado em R$ 30 200?

6) Embora não seja necessário, devido a se atribuir alto conhecimento da língua que defende, explico aqui ao nobre deputado o que significa a palavra idioletice. É palavra criada por mim com sentido evidente. Mas apenas coloquei a desinência ICE na palavra IDIOLETO.

Mas, afinal, o que é idioleto?

Vejamos:

Aurélio: Idioleto: S.m. E. Ling. 1. A fala de um único indivíduo.

Houaiss (definição mais barroca):

Idioleto: Sistema lingüístico de um único indivíduo, que reflete suas características pessoais, os estímulos a que foi submetido, sua biografia etc. (Pertence ao campo da langue, e não da parole, porque trata de particularidades lingüísticas constantes, não fortuitas. Depreendido de dialeto.)

II Nuovo ZINGARELLI – Vocabolario della Lingua Italiana:

Idiolétto: L'insieme degli usi di una lingua carateristtico di un dato individuo, in un determinato momento.

The Oxford Companion to the English Language:

Idiolect: (1940. From greek, idios personal, and -lect as in dialect.) In linguistics, the language special to an individual, "personal dialect".

The Cambridge Encyclopedia of Language. David Crystal:

Idiolect: Probably no two people are identical in the way they use language or react to the usage of others.

A Supplement to the Oxford English Dictionary:

Idiolect: 1948. B.Bloch in Languages XXIV. 7. The totality of the possible utterances of one speaker at one time in using one language to interact with other speaker is an idiolect.

Diccionario de Uso del Español Actual:

Idiolecto: En lingüístico, modo característico que cada hablante tiene de emplear su lengua.

(Importante, deputado: o prefácio deste dicionário é de Gabriel García Márquez. Vale a pena ler.)

1948. Archivum linguisticum:

Idioletical diversity is an inevitable result of the productivity inherent in every single individual linguistic habits.

P.S. Ah, deputado José Aldo Rebelo, vossa advogada, Dra. Zilah Joly, na página 7, linha 6, antepenúltima palavra da linha, de vosso brilhante arrazoado, usa à (a craseado), que mostra certo desconhecimento da língua normatizada. Eu não ligo não, defendo mesmo a tese de que a crase não existe em português do Brasil, mas tem gente no foro que repara.

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