PARIS. Um dado aceito como inegável na recente política brasileira é que o PMDB, por dividido, não consegue eleger um presidente da República, mas nenhum presidente da República consegue governar sem o apoio do PMDB. Da mesma forma, nenhum político brasileiro se declara “de direita”, mas a direita política está sempre presente nos governos formados a partir de 1985, quando Tancredo Neves se elegeu presidente da República numa aliança política antes impensável com os dissidentes do PDS, partido que dava sustentação à ditadura militar. Por que “ser de direita” no Brasil é politicamente incorreto, se uma democracia como a francesa é dirigida há 12 anos pela direita, e seguirá pelo menos mais cinco anos com um direitista sem vergonha de sê-lo à frente do governo?
Certamente muitas razões específicas da cultura e da história política brasileira explicam esse fenômeno, mas, com relação à França, uma razão histórica é aventada tanto pelo prefeito do Rio, Cesar Maia, hoje o principal líder do partido Democratas, ex-PFL, que deveria encarnar essa tendência política no país, quanto pela cientista política Alzira Abreu, da Fundação Getúlio Vargas, do Rio de Janeiro: o papel da direita francesa em momentos históricos. O prefeito do Rio cita Napoleão e De Gaulle como políticos que “pela direita formaram uma identidade orgânica e patriótica da direita e a confundiram com a da própria França”.
A cientista política ressalta que a direita francesa — excluída, naturalmente, a extrema direita de Le Pen — teve “em vários momentos de sua história recente papel dos mais destacados, o que lhe dá um certo orgulho”.
Ela salienta que não apenas durante a ocupação na Segunda Guerra Mundial “foi De Gaulle o grande líder que conduziu o movimento pela liberação, um homem de direita”, mas também a modernização da França pós-guerra foi conduzida pela direita. Também a independência das colônias francesas, como na Argélia, foi dada por De Gaulle.
“Então, a França tem uma visão da direita positiva, para muitos, mesmo não votando com seus candidatos”. Em contrapartida, Alzira Abreu afirma que, “no Brasil, temos um passado recente (196485) que deixa a direita mal.
Ela é identificada com censura, tortura, repressão etc.
Ninguém se lembra que no período militar houve um grande desenvolvimento econômico e avanço em vários setores. A marca deixada nesse período é negativa”.
Outro cientista político da Fundação Getúlio Vargas, Fernando Latman-Weltman, acredita que é mais difícil se assumir claramente uma identidade de “direita”, no Brasil de hoje, porque “essa categoria ficou associada à defesa de privilégios e da desigualdade social, o que se torna moralmente difícil, por conta do nosso passado escravocrata e dos nossos indicadores sociais atuais”.
O prefeito Cesar Maia discorda dessa análise histórica.
Segundo ele, “a comunicação dos republicanos, primeiro, empurrou no imaginário popular a direita para o colo da monarquia. Depois, o getulismo (certamente de direita, se olharmos para a França) empurrou a direita para a República Velha. E a ditadura passou a ser a direita no imaginário dos democratas”.
Perguntei-lhe se ainda não estávamos tentando superar, de maneira equivocada, o ciclo de 64, depois do qual qualquer repressão policial passou a ser antidemocrática; qualquer defesa da ordem passou a ser antidemocrática; qualquer defesa de valores morais ficou fora de moda, o nacionalismo ficou mal visto.
Cesar Maia concordou, dizendo que pensa assim há anos.
Para ele, a série histórica que citou mostra que os vencedores — republicanos, revolucionários de 64, republicanos pós-Getúlio e democratas na ditadura militar — “impregnaram o imaginário popular mesclando direita e autoritarismo”.
Ele explica que Democratas, o novo nome do PFL, “é uma forma de fazer progressivamente este descolamento de forma definitiva”.
Já o cientista político Fernando Latman-Weltman não acredita que as dificuldades para se assumir tal identidade, no Brasil de hoje, “se devam exatamente a tais conteúdos ditos autoritários, e que, na verdade, se referem a valores — autoridade, ordem, mérito, etc. — também rigorosamente liberais. Se isso, de fato, caracterizasse a imagem da ‘direita’, entre nós, não nos faltariam direitistas assumidos”, diz ele. Na sua visão, a chave para se entender o fenômeno se encontra nas relações complicadas entre duas outras palavrinhas importantes de nossa cultura política: “desigualdade” e “modernidade”.
(Continua amanhã).
Recebi diversas mensagens de leitores com comentários sobre a eleição da França e a divisão direita/esquerda. Escolhi duas para exemplificar posições distintas. Hoje, a do leitor Marco Antonio Nunes de Souza, que entre vários comentários explicou assim a vitória de Sarkozy: “Para cada questão espinhosa, Ségo saca com elegância e beleza indescritíveis uma generalidade. Sarko, uma resposta. Goste-se ou não, ele responde. Ela não. Como no caso dessas férias de dois dias na encantadora Malta, e outras, amalfitanas ou não.
‘Não foi gasto um centime do povo’ diz ele. ‘Fui convidado’.
E ponto final. Pode-se ser contra ou a favor, mas ele responde.
Para Sarkozy, férias em iate do milionário de plantão fazem parte da vida. Mas para Ségolène e seus mais íntimos seguidores, é pecado mortal. Ancorados nos anos 60, eles reagem como se o mundo continuasse em barricadas desde maio de 68.
Ela, Ségo, linda de morrer, e seu estranho marido, Holande, vivem nos beaux quartiers, bem longe da racaille queimadora de carros dos vizinhos. E bem protegidos pela mesma polícia, sempre ‘fascista’ em seus discursos. Matriculam seus filhos em escolas particulares.
Têm patrimônios consideráveis. Cruzam Paris em carros confortáveis e silenciosos, longe do abafa do metrô. Viajam de primeira classe, sempre. Mas tudo escondido.
Entrevista:O Estado inteligente
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