Sarkozy- Paulo Guedes

Sarkozy

Coluna

O Globo

7/5/2007

A mais importante informação transmitida pela vitória de Nicolas Sarkozy sobre Ségolène Royal na corrida eleitoral francesa é que se trata da terceira derrota consecutiva do Partido Socialista em eleições presidenciais. Apesar de seu movimento para o centro, de seu carisma pessoal, do estigma de conservador de seu oponente e de suas previsões de explosão da violência entre imigrantes no caso de sua derrota, a simpática socialista não pôde evitar a imagem de obsolescência que se projeta sobre o socialismo no século XXI. À exceção de variantes exóticas como a bolivariana - o "socialismo o muerte" de Chávez - e versões neo-indígenas como a boliviana de Evo Morales, ainda em fase de experimentação, o que se pode observar em todo o mundo é o ocaso de ideologias radicais. Da mesma forma que o liberalismo clássico dos séculos XVIII e XIX foi politicamente enterrado por sua insensibilidade ao sofrimento humano e às desigualdades sociais, sua antítese socialista fracassou miseravelmente em escala planetária. Sua vocação totalitária provocou alternativas igualmente ferozes à direita, ameaçando também a própria existência das democracias liberais em duas guerras mundiais e no longo inverno da Guerra Fria. Após toda a experimentação institucional do século XX, a marca da virada de século é exatamente a síntese da Grande Sociedade Aberta, novo paradigma da civilização ocidental. De um lado, temos a herança das democracias liberais - o regime democrático propriamente dito, o estado de direito, as economias de mercado. E, de outro lado, a herança das grandes religiões e, ironicamente, do socialismo que tanto as combateu - a solidariedade, a rede de proteção social por meio da ação descentralizada do Estado. As ideologias radicais estão superadas por essa síntese. Tanto o liberal-democrata quanto o social-democrata estão no centro. Embora as análises convencionais ainda abordem o espectro político com o pressuposto de que se trata do antigo confronto entre a "esquerda" e a "direita" francesas - o que por sinal seria desastroso para uma "esquerda" derrotada pela terceira vez em seqüência -, os temas que realmente decidiram a eleição presidencial foram a criminalidade, a imigração, o desemprego entre jovens, a falta de crescimento e, mais importante para a vitória de Sarkozy, as reformas institucionais necessárias a seu enfrentamento, tendo como pano de fundo a globalização. "A indústria moderna estabeleceu o mercado mundial. Pelo aperfeiçoamento rápido de todos os instrumentos de produção, pelos meios de comunicação imensamente facilitados, arrasta todas as nações, até a mais bárbara, para a civilização. Os preços baixos de suas mercadorias são a artilharia pesada com a qual derrubam até mesmo a Muralha da China. Compele todas as nações, sob pena de extinção, a adotar seu modo de produção. Criou cidades enormes, aumentou em grande escala a população urbana, e assim resgatou uma considerável parte da população da idiotice da vida rural. Criou forças produtivas mais maciças e colossais do que todas as gerações precedentes juntas." Pelo debate que travaram, quem o leitor diria ter lido este trecho do "Manifesto comunista" (1848), de Marx e Engels, Ségolène ou Sarkozy?