Entrevista:O Estado inteligente

segunda-feira, maio 07, 2007

A difícil decisão de quebrar patente de medicamentos






A decisão do governo brasileiro de quebrar a patente do remédio Efavirenz, anti-retroviral usado no tratamento da Aids, fabricado pelo laboratório Merck Sharp & Dohme, foi tomada após seis meses de negociações sem que se conseguisse chegar a um entendimento, e dentro dos limites das regras internacionais relativas aos direitos da propriedade intelectual da Organização Mundial do Comércio (OMC).

Desde novembro de 2006, informou o ministro da Saúde, José Gomes Temporão, foram realizadas nove reuniões entre governo brasileiro e a Merck para negociar uma redução de preço. O Brasil vinha pagando US$ 1,59 por comprimido, o laboratório chegou a concordar com US$ 1,10 e o governo reivindicava uma redução para US$ 0,65, mesmo preço praticado pela Merck na Tailândia (país que também quebrou a patente do medicamento). O Efavirenz é usado hoje por cerca de 75 mil pacientes de Aids na rede pública do país, a um custo de US$ 43 milhões por ano.

Esta foi a primeira vez que o governo brasileiro optou pelo licenciamento compulsório de um medicamento, embora já tivesse ameaçado, tanto em 2001 quanto em 2003, a quebrar as patentes de outros anti-retrovirais produzidos pelos laboratórios Roche e Abbott. Nestes casos, porém, as empresas reduziram suficientemente o preço de venda ao governo, foi possível um acordo e a patente foi mantida.

A proposta final da Merck foi rejeitada pelo Ministério da Saúde que, diante do impasse prolongado, enviou ao gabinete do presidente Lula, na tarde de quinta feira, a alternativa do licenciamento compulsório do remédio, cujo genérico será importado da Índia (podendo ser também produzido no Brasil). Em solenidade no Palácio do Planalto, na sexta-feira, o ato foi assinado por Lula.

O programa brasileiro de Aids tornou-se uma vítima do seu próprio sucesso. O número de infectados beneficiados pelo tratamento não pára de crescer. Atualmente os pacientes têm sobrevida maior, a resistência ao vírus aumentou ao longo do tempo e novas drogas foram surgindo. Estas, hoje, são mais potentes, trazem menos efeitos colaterais, mas custam caro e são protegidas por patentes. O programa, com distribuição universal dos medicamentos, tem custo crescente. Em 2006 o orçamento para a compra dos medicamentos superou R$ 1 bilhão, colocando em risco a própria sustentabilidade do programa, ao mesmo tempo em que a cada ano cerca de 15 mil novos pacientes entram em tratamento na rede pública.

Segundo cálculos de organizações não-governamentais, cerca de 60% dos recursos são destinados à compra de apenas três medicamentos patenteados - o Kaletra, o Efavirenz e o Tenofovir. O Kaletra, fabricado pelo laboratório Abbott, foi objeto de acordo em 2005 e o custo da cápsula caiu de US$ 1,17 para US$ 0,63. Na ocasião o governo brasileiro comprometeu-se com o laboratório americano a não quebrar a patente do medicamento e a não alterar as cláusulas do contrato até 2011.

Ao governo, restavam três opções: quebrar patentes e baixar o custo de compra dos remédios, enfrentando o riscos de represálias comerciais; aumentar substancialmente os recursos fiscais destinados ao tratamento da Aids; ou reduzir o alcance do programa.

Como ameaça, a estratégia de quebrar patentes já havia forçado a reduções ocasionais dos preços. Posta em prática, tem o potencial de gerar conflitos comerciais indesejáveis. É crescente, porém, o consenso internacional de que os governos nacionais têm que ter alguma margem de manobra para a execução de políticas públicas de saúde. José Serra, quando ministro da Saúde, em 2001, brigou por isso na reunião de Doha (Qatar) da OMC, abrindo espaço para negociações sem retaliações em casos de emergência de saúde pública (como Aids, tuberculose e malária).

O argumento das empresas não é menos relevante: medidas como a quebra de patentes tornam pouco atrativos os investimentos em pesquisa e produção de medicamentos dessa natureza. Razão pela qual o governo só deve lançar mão do licenciamento compulsório de forma madura e quando todos os canais de negociação estiverem esgotados.

Se a negociação foi até o limite, e o governo estava convencido de que havia abuso de preço, não restava ao poder público outra saída.

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