Entrevista:O Estado inteligente

segunda-feira, maio 07, 2007

A restrição de energia é o maior obstáculo à expansão



Artigo - Fabio Giambiagi
Valor Econômico
7/5/2007

O Texto para Discussão nº 1234 de 2006, do Ipea, na forma de uma coletânea com pontos que poderiam ser objeto de uma agenda para o crescimento, abordou a questão de "como acelerar de forma consistente o crescimento observado no período recente, entre 3,5 % e 4 % ao ano, para outro com taxas mais próximas a 5 % ao ano." (p. 8). A primeira restrição a ser enfrentada, dizia o citado texto, era representada pelos problemas do setor elétrico. Desde então, ocorreram duas coisas. Por um lado, o crescimento intensificou-se. Por outro, o nível dos reservatórios no final do período seco tem continuado a cair em relação aos anos anteriores. A abordagem do documento continua atual.

Mais recentemente, o mesmo Ipea publicou um livro, organizado por Lúcia Helena Salgado e Ronaldo Seroa da Motta ("Regulação e concorrência no Brasil"), no qual consta o capítulo "Mercado elétrico: centralizar a gestão de riscos?", de autoria do professor Adilson de Oliveira (uma das maiores autoridades na matéria) em que se diz que "simulações realizadas com o apoio do modelo de simulação desenvolvido no Instituto de Economia da UFRJ (SIMSPOT) sugerem que o risco de um novo período de racionamento é significativo já a partir da primeira metade de 2008 e aumentará com o ritmo de crescimento da economia" (página 244).

As manifestações nessa linha que algumas pessoas têm feito são, por vezes, interpretadas equivocadamente por parte de alguns críticos como sinal de que seriam expressões de quem se "opõe" ao crescimento. Nada mais falso. O ponto chave aqui não é maximizar o crescimento da economia em 2007 ou 2008 e sim o de criar as condições para que a economia brasileira tenha vários anos consecutivos de crescimento médio a um bom ritmo, acima de 4 % e preferencialmente próximo de 5 %. E nesse sentido, não nos enganemos: a energia é um formidável obstáculo físico a ser enfrentado.

A idéia de que um crescimento muito forte a curto prazo pode ser "arriscado" deve ser interpretada ao pé da letra, com base na noção matemática do que significa um "risco". Um indivíduo pode passar uma semana no Iraque e voltar lépido e faceiro. Não há dúvidas, porém, de que o risco de morrer andando na rua é maior nas ruas de Bagdá do que circulando por Paris ou Amsterdã. Analogamente, a economia brasileira talvez possa crescer 6 % e não acontecer rigorosamente nada. No jogo das probabilidades, porém, seria uma aposta arriscada. Se a economia acelerar muito e São Pedro decidir que os ventos da fortuna - e as águas de março - migrem para outras áreas geográficas, estaremos correndo um sério risco de repetir 2001 antes de 2010. Rezar para chover sempre ajuda, mas as autoridades devem perseguir com tenacidade dois objetivos. O primeiro, controlar o crescimento, para que ele aumente em relação ao passado, mas cientes de que há uma velocidade ideal que não deve ser ultrapassada. E o segundo, estabelecer um plano ultra-rigoroso para aumentar a oferta de energia do país a curto prazo. Isso implica acelerar a execução das obras, agilizar a realização dos estudos ambientais e melhorar o ambiente regulatório, entre outras coisas adotando, se couberem, modificações institucionais profundas no que tange às competências envolvendo o tema da concessão das licenças. É urgente definir esse "plano de guerra", antes de o problema se agravar. O crescimento da economia em 2007/2008 parece garantido. Entretanto, a pergunta que cabe fazer é: e se em janeiro/fevereiro de 2009 chover tão pouco como choveu nos mesmos meses em 2001? O termo de compromisso firmado recentemente pela Aneel e a Petrobras é uma excelente notícia e representa exatamente o tipo de medidas que devem ser tomadas pelo governo.

Há 6 anos, o Brasil acordou com a crise do racionamento. Os especialistas sabiam na época, porém, que o nível dos reservatórios estava em queda contínua, ano após ano, desde 1997, com o nível mínimo dos reservatórios diminuindo a cada ano. As raízes da crise foram sendo geradas, portanto, ao longo de 4 anos, no que foi certamente a maior falha gerencial do governo FHC. Com as medidas emergenciais de 2001/2002, somadas a 3 anos de baixo crescimento (2001/2003) e à sorte de ter chovido muito após a crise do começo da década, os reservatórios ficaram cheios. De 2004 em diante, porém, a realidade mudou. Um reservatório equivale a uma gigantesca "banheira", que não deve ficar cheia (sob risco de vazar) nem vazia (pelo risco de que a lama afete o funcionamento das turbinas). Em condições ideais, no Sudeste eles enchem até 80% a 90% de capacidade no fim da época de chuvas, ao final do verão (em torno de março) e diminuem até 60% a 70% no fim da época da seca, em plena primavera (novembro). Pois bem, ainda que com algumas oscilações, as curvas do gráfico indicam um padrão: o nível dos reservatórios está em queda. O "vale" na seca foi de 59% de ocupação dos reservatórios em 2004 e desde então vem sendo menor ano após ano, caindo a 42% em 2006, sendo que em 2007, depois das fortes chuvas de janeiro, a curva voltou a se situar abaixo da do ano anterior. Em novembro de 2000, chegamos a 22% de ocupação dos reservatórios e veio a crise. Estamos longe disso, mas em novembro de 1998 a ocupação era ainda de 43% e dois anos depois estávamos às portas do racionamento. Portanto, todo cuidado é pouco. Prioridade total às obras, maiores investimentos da Eletrobrás, aumento da oferta de gás, equacionamento das questões ambientais e crescimento do PIB limitado a 4,0 % a 4,5 % é a melhor estratégia a seguir nos próximos 2 a 3 anos.

Fabio Giambiagi, economista, co-organizador do livro "Economia Brasileira Contemporânea: 1945/2004" (Editora Campus), escreve mensalmente às segundas-feiras. E-mail: fgiambia@terra.com.br.

Arquivo do blog