Entrevista:O Estado inteligente

terça-feira, maio 08, 2007

A reinvenção do faroeste AUGUSTO NUNES

A reinvenção do faroeste

Em meados de abril, uma reportagem publicada no Estadão por Guilherme Scarance e Sílvia Amorim informou que parlamentares especializados no salto com verbas - modalidade não olímpica intensamente praticada no Congresso - haviam obtido resultados notáveis nos treinamentos do verão. Em fevereiro e março, concentrados nas provas de "verba indenizatória", todos fizeram bonito. Mas causaram particular impressão os craques em gastança automobilística.

Nos dois primeiros meses da legislatura, notas fiscais e recibos empilhados por deputados somaram R$ 11,2 milhões. Como determinam os códigos do Legislativo, todos foram prontamente reembolsados pela direção da Câmara. Como recomenda o manual da pilantragem, a fortuna foi paga com discrição. Foram prudentemente dispensadas as homenagens adicionais reservadas a genuínos campeões.

Cálculos feitos pelos autores da reportagem conduzem a descobertas assombrosas. A montanha de recibos e notas fiscais informa que, em 60 dias, nossos deputados ambulantes consumiram 1 milhão de litros de gasolina. Esse oceano de combustível permite dar a volta ao mundo 255 vezes, ou fazer 15 viagens de ida e volta entre a Terra e a Lua. Nem todos os parlamentares se juntaram à farra. Essa ausência foi amplamente compensada pelas performances dos recordistas.

"Essa é a forma secreta que os parlamentares encontraram para se conceder um aumento de salário que não poderiam justificar", constata Lucas Furtado, procurador-geral do Tribunal de Contas da União. Como a Câmara libera reembolsos sem conferir comprovantes de despesas, os deputados não perdem tempo com camuflagens. Preenchidos com garranchos de calouro de jardim-de-infância, os papéis quase sempre exibem suspeitíssimas contas de chegar. Justificadamente inconformado com o conteúdo da reportagem, o jornalista Arnaldo Jabor, num comentário transmitido pela Rádio CBN, traduziu a indignação do país que paga a conta. A certa altura, instou "esses canalhas" a devolverem o dinheiro tungado dos contribuintes. Em vez de investigar os suspeitos, o presidente da Câmara, Arlindo Chinaglia, resolveu enquadrar um inocente.

A grafia informa que Chinaglia é um sobrenome de origem italiano. A pronúncia ("quinalha") e, sobretudo, o comportamento do portador sugere que pode ter havido um erro de revisão. Em defesa da honra do Poder Legislativo, declamou, resolvera acionar Jabor judicialmente. "Ele será processado por ter ofendido uma instituição que representa todo o povo brasileiro", viajou o figurão do PT paulista.

O jornalista retomou o assunto nas páginas do Estadão, para uma ressalva elegante. Chamara de canalhas, especificou, "os autores da falsificação de notas fiscais das viagens interplanetárias, não todos os parlamentares, porque há alguns que respeito profundamente. São uns 17". Talvez não sejam tão poucos os deputados efetivamente respeitáveis. Muitos decerto não são.

Nos anos 80, segundo o então deputado Luiz Inácio Lula da Silva, havia no Congresso "mais de 300 picaretas". A procissão de bandalheiras que apresentou ao país a bancada dos mensaleiros ou a ala dos sanguessugas sugere que o bloco da delinqüência cresceu. Aos olhos do presidente da Câmara, alcançou dimensões suficientes para induzi-lo ao prosseguimento da guerra. Em vez de render-se às evidências e esquecer o processo, tem pedido aos parlamentares que ingressem na Justiça com ações individuais contra Jabor. Se o truque funcionar, Chinaglia terá produzido no Congresso mais um faroeste pelo avesso. Nessa invenção brasileira, é o bandido quem persegue o mocinho.

08 / 05 / 2007

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