Entrevista:O Estado inteligente

sábado, maio 05, 2007

Remédio de gente melhora a vida dos bichinhos

Dose pra cachorro

Remédios de gente agora também são usados
para melhorar a qualidade de vida dos animais


Duda Teixeira

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Nesta reportagem
Quadro: Igual ao dono
Os animais de estimação costumam ficar parecidos com seus donos – e a semelhança não se limita a trejeitos e hábitos. Muitos cães, que passam o dia confinados em apartamento, empanturrando-se de comida, tornam-se obesos e sofrem de depressão. Natural, então, que compartilhem os remédios criados para os seres humanos. No início deste ano, a Food and Drug Administration (FDA), agência que controla a venda de alimentos e de remédios nos Estados Unidos, deu aval a dois novos medicamentos para cães. O primeiro deles, que começará a ser vendido pela Pfizer neste mês, pretende combater a obesidade canina. Atua de maneira análoga à de alguns inibidores de apetite vendidos em farmácias, que limitam a absorção de gordura no intestino. O outro medicamento é uma goma de mascar com irresistível (para os cães) sabor de bife, que traz na composição a fluoxetina, a mesma substância do antidepressivo Prozac. A Eli Lilly, fabricante do produto, estuda outros seis remédios baseados, em parte, em moléculas utilizadas em medicamentos para humanos. Todos são esperados para os próximos quatro anos.

Carol Carquejeiro
A vira-lata Luana: Prozac para superar o medo de gente


O interesse dos grandes laboratórios farmacêuticos nos animais de estimação explica-se pelo potencial de consumo. Nos Estados Unidos, existem quase 163 milhões de cães e gatos, cujos donos gastam 5 bilhões de dólares anualmente com seus companheiros. Nos últimos cinco anos, a FDA aprovou mais de duas dúzias de remédios para esses animais, muitos deles bem parecidos com similares criados para uso humano. Na verdade, o homem e o cão compartilham a mesma fisiologia básica. "Em geral, os medicamentos liberados para uso humano foram testados antes em animais", diz o zootecnista Alexandre Rossi, de São Paulo. A diferença desses novos remédios em relação à farmacologia veterinária tradicional está no fato de que não pretendem simplesmente curar doenças. Seu objetivo é melhorar a qualidade de vida dos bichos, atacando alguns problemas crônicos, como ansiedade, excesso de peso, má digestão ou tosse. "Um cachorro não vai morrer por causa desses males, mas seguramente pode viver melhor sem eles", afirma a veterinária Márcia Marques Jericó, coordenadora do Hospital Veterinário da Universidade Anhembi Morumbi, em São Paulo. Pesquisa realizada por Márcia mostrou que, nas grandes cidades brasileiras, quase dois em cada dez cães estão acima do peso.

O princípio ativo do Prozac – a fluoxetina –, que pode ser comprado com prescrição dos veterinários em farmácias, já é bastante usado para atenuar a ansiedade de separação, que se manifesta quando o dono do animal o deixa sozinho por algumas horas. Quando volta, os sintomas são visíveis por toda parte: móveis destruídos, cheiro de urina e fezes pela casa e reclamações dos vizinhos devido a latidos incessantes. A fluoxetina também é usada para reduzir o medo que alguns animais têm de pessoas. "Quando adotamos Luana, ela passou um mês sem sair de debaixo da cama", diz Ana Carolina de Oliveira Feijó, psicóloga de São Paulo. Por três meses, a vira-lata ingeriu comprimidos camuflados em bolinhos de carne diariamente. Também começou a freqüentar um canil para se socializar com outros cachorros. Semanas depois, Luana já balançava o rabo e brincava. "Quando estamos em casa, ela até se senta no sofá da sala." Alguns ansiolíticos também são receitados para cães com diferentes objetivos. Os donos de Igor, um cão samoieda de 5 anos, acostumaram-se a lhe dar comida quando ele começava a atrapalhar o sono com latidos incessantes. O animal chegou a ficar com 43 quilos, quando o ideal é entre 30 e 33. Após uma consulta veterinária, Igor passou a fazer dieta e exercícios e a tomar ansiolíticos. Os remédios não apenas acalmaram o cão como também ajudaram a contornar o stress provocado pela ingestão menor de comida. "A regra é a mesma para pessoas e para cães", diz a veterinária Cristiane Godoi, da clínica da Cobasi, em Campinas, que trata de Igor. "É preciso ter cuidado para não errar na dose."



O RECALL GIGANTE


Joe Raedle/Getty Images
Venda de ração nos EUA: 100 marcas retiradas das lojas


Os donos de animais de estimação estão em pânico nos Estados Unidos. Há dois meses, a empresa canadense Menu Foods, a maior fabricante de rações da América do Norte, anunciou que retiraria do mercado 60 milhões de enlatados para animais. A FDA, agência responsável pela regulamentação de alimentos e medicamentos nos EUA, descobriu que o glúten de trigo, um dos ingredientes da ração, estava contaminado com melamina, substância que, suspeita-se, pode provocar a morte de animais por falência dos rins. Foi o estopim para um dos maiores recalls de ração animal em toda a história. Outras empresas fizeram o mesmo com seus produtos e hoje mais de 100 marcas estão sendo recolhidas das prateleiras. Pelo menos dezesseis mortes de animais foram confirmadas, mas o número pode ser bem maior, já que a agência americana recebeu mais de 14 000 reclamações sobre animais domésticos com perda de apetite, vômitos e apatia, os principais sintomas da intoxicação.

O fato atingiu proporções ainda maiores quando se descobriu que o ingrediente é largamente adicionado aos produtos de alimentação na China. A melamina, substância química usada na fabricação de resinas sintéticas e fertilizantes, está presente nas rações chinesas, sobretudo para porcos e frangos. Embora não tenha nenhum valor nutricional (seu uso em qualquer alimento é proibido nos Estados Unidos), a melamina é utilizada pelos chineses para baratear a produção. Por ser rica em nitrogênio, é confundida com a proteína vegetal, cinco vezes mais cara. Depois de confirmada a negligência chinesa com a segurança alimentar, os americanos baniram a importação de glúten de trigo do país. O caso mostra a vulnerabilidade de uma economia globalizada que depende de insumos importados de um país com controle sanitário pouco rigoroso, como a China. Preocupados com a saúde de seus animais, muitos americanos substituíram a ração industrializada por receitas caseiras, menos nutritivas.




Foto Carol Carquejeiro

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