Entrevista:O Estado inteligente

sábado, maio 05, 2007

Panos quentes

Panos quentes

É com eles que Anthony Minghella abafa
(mais uma vez) o conflito de Invasão de Domicílio


Isabela Boscov

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O arquiteto Will (Jude Law) tem um projeto para a recuperação da área degradada de King's Cross, em Londres – e, para mostrar firmeza de intenções, instala ali seu novo escritório. O ateliê é roubado no dia da inauguração, e de novo alguns dias depois. Will decide, então, montar guarda durante as noites. De seu carro, ele observa o movimento dos traficantes e prostitutas, como Oana (Vera Farmiga), que passa a vir dividir copos de café e conversas nuas e cruas com ele. O profissional ajustado, bem casado (com Robin Wright Penn) e padrasto responsável de uma garota autista prova, assim, do apelo perigoso e excitante do submundo, e quer mais. Quando finalmente vê um rapaz invadindo seu escritório, ele o segue até a casa em que o adolescente, Miro (Rafi Gavron), mora com sua mãe, a costureira Amira (Juliette Binoche). Mãe e filho são refugiados da Guerra da Bósnia. A única família que lhes sobrou é a do lado do marido, um bando de homens envolvidos em atividades suspeitas. Eles são cristãos, Amira é muçulmana. Eles estão levando Miro para o mau caminho, e Amira os detesta. Will se apresenta a ela como um freguês que precisa de ajustes num terno, mas o que ele deseja é um punhado de outras coisas, ainda vagas para ele próprio – aventura, paixão, risco, libertação de uma vida que parece ótima mas que ele acha insuficiente, e a ilusão de que vai salvar outras pessoas de seus problemas. Will, enfim, é um narcisista, incapaz de medir as conseqüências do que ele quer para pessoas que têm problemas muito mais desesperadores do que os seus. No mundo real, ou numa cópia verossímil do mundo real, essa é uma história que só poderia acabar mal. Mas Invasão de Domicílio (Breaking and Entering, Inglaterra/Estados Unidos, 2006), que estréia nesta sexta-feira no país, se passa no mundo do diretor Anthony Minghella, onde todos têm ou encontram uma consciência e para tudo se acha um jeito. Menos para o próprio filme.

O inglês Minghella estreou no cinema com uma produção pequena e engenhosa escrita por ele próprio – Um Romance do Outro Mundo, sobre uma mulher que perde o marido, fica arrasada e então se encanta quando o fantasma do falecido volta para morar com ela (o que ele quer, porém, é aborrecê-la ao máximo, para que ela se liberte e toque a vida adiante). Mas, com seu terceiro trabalho, O Paciente Inglês, o diretor se relançou como o grande expoente da adaptação literária e do filme de arte de apelo comercial – toada em que prosseguiu, com sucesso decrescente, em O Talentoso Ripley e Cold Mountain. Este novo filme deveria representar, então, sua volta ao início: um roteiro original, e não tirado de um livro, e um drama íntimo ambientado em seu próprio território, e não nas paisagens fotogênicas do Marrocos ou da costa italiana. Invasão de Domicílio tem algumas das virtudes comuns nos filmes de Minghella. É muito bem produzido, e o elenco, reforçado por Martin Freeman e Ray Winstone, é afiadíssimo. O problema é que aquela veia sardônica de Romance secou, e o hábito da complacência e da conciliação parece já ter se instalado de forma irremediável no diretor.

Até o ponto em que o arquiteto e a costureira se envolvem mediante falsos pretextos, Invasão de Domicílio avança rumo a uma catástrofe. Quando ela de fato se desenha, o diretor recua e corre atrás de panos quentes com os quais abafá-la. Minghella é, afinal, o homem que deu uma crise moral ao personagem que se celebrizou por não tê-las nunca, o assassino Tom Ripley, criado pela escritora Patricia Highsmith. Nada mais natural – mas ainda assim decepcionante –, então, que se acovarde também diante dessa pequena história de desarmonia urbana.

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