Entrevista:O Estado inteligente

sábado, maio 05, 2007

O pop brasileiro dos anos 60 está de volta

A vingança do "pop de protesto"

Esquecida até pouco tempo atrás, a corrente
dos anos 60 é resgatada numa bela mostra


Marcelo Marthe



No sentido horário, o pop de Duke Lee, as cores de Aguilar (numa tela já da década atual), a banana que aludia à ditadura de Antonio Henrique Amaral e duas obras de Tozzi, uma de denúncia da repressão e outra de celebração do tropicalismo de Caetano Veloso: valor reconhecido, enfim

Em 1967, uma obra do artista plástico paulistano Claudio Tozzi entrou na mira da ditadura. Durante o fechamento de um salão de arte em Brasília pelas forças militares, um coronel se exaltou com um painel que retratava o guerrilheiro Che Guevara. E não teve dúvidas: tascou-lhe um pontapé. Recuperado anos depois, em estado lastimável, o trabalho permaneceu esquecido no ateliê do artista até o ano passado, quando foi vendido a um colecionador argentino por 250.000 reais – preço recorde para uma obra de Tozzi. Atualmente, está em exibição no Malba, o museu de Buenos Aires dedicado à arte latino-americana. Essa história poderia ser uma alegoria sobre a geração à qual pertence o artista. Além de Tozzi, nomes como Antonio Dias, Rubens Gerchman, Wesley Duke Lee, Antonio Henrique Amaral e José Roberto Aguilar ganharam notoriedade nos anos 1960 e comungavam das mesmas influências. Eles representaram uma resposta brasileira à explosão mundial da pop art, consagrada pelo americano Andy Warhol. Com os anos, contudo, as obras de boa parte dessa geração passaram a ser consideradas "micadas" por marchands e colecionadores. Somente na década atual, enfim, começaram a ser resgatadas pelo mercado. Em cartaz desde a semana passada na Galeria Ricardo Camargo, em São Paulo, a mostra Vanguarda Tropical é uma prova eloqüente disso: em tempos não muito distantes, ninguém se disporia a organizar uma panorâmica de fôlego do período. Alguns dos oito artistas focalizados encontravam dificuldade até para expor. Agora, recuperaram seu espaço.

As 44 obras revelam como os brasileiros assimilaram os expedientes da pop art – entre os quais o uso das impressões em silkscreen e as referências aos gibis. Com formação nos Estados Unidos, Duke Lee, hoje com 76 anos, foi um pioneiro na introdução dessas técnicas. Obras como Retrato de Samuel ou A Respeito de Vovô (1970) evidenciam por que ele foi quem melhor sintetizou no Brasil a influência de artistas como o inglês David Hockney. Assim como seus pares estrangeiros, os expoentes do pop nacional também celebravam a contracultura. É o caso de Aguilar, com suas imagens psicodélicas. Mas, no Brasil, acrescentou-se uma "cor local" à tendência – um tanto desviante em relação à idéia que norteava a arte pop, mas, ainda assim, original. A obra de Andy Warhol expunha uma visão irônica da cultura de massa. Aqui, seu espírito foi subvertido. "Nosso pop usou da mesma linguagem, mas transformou-a em instrumento de denúncia política e social", aponta o crítico Rodrigo Naves. Ou seja: deu origem a um certo "pop de protesto". A mostra contempla vários exemplos disso. De Tozzi, há pinturas que aludem à realidade da época, como Ocorrência 3114. A cena de uma viatura prestes a colidir com uma jovem esparramada na rua é uma alusão debochada à perseguição dos opositores do regime pelas forças policiais. É possível conferir ainda uma tela da série em que Antonio Henrique Amaral explora as bananas como metáforas do período de arbítrio – uma marca de sua obra.

O marchand Ricardo Camargo, organizador de Vanguarda Tropical, acompanha os artistas dessa geração desde seus anos áureos – e tem sido também um dos responsáveis pelo resgate deles. "Quem comprou obras desse período por uma ninharia alguns anos atrás fez um excelente negócio", diz. Uma das razões para essa produção ter sido tão desprezada é que os artistas ficaram espremidos entre tendências de maior apelo. A década de 1960 foi de grande efervescência para as artes plásticas no país. Os adeptos da pop art marcaram presença nas exposições que são tidas como divisores de águas das vanguardas naquele momento, como Opinião 65 e Nova Objetividade Brasileira. Sua obra, no entanto, não teve a repercussão internacional nem a influência sobre as gerações posteriores obtidas por uma corrente como o neoconcretismo, com Hélio Oiticica e Lygia Clark à frente. Foram eclipsados, por fim, pelas gerações surgidas a partir dos anos 1980, já num mercado de arte profissionalizado e globalizado.

Antonio Dias continuou na tona, é verdade. Mas é uma exceção que confirma a regra. Ele não teria se tornado um dos mais valorizados artistas brasileiros vivos se não houvesse trafegado pelas tendências que vieram depois, do minimalismo à arte conceitual – uma obra dos anos 1980 que integra a exposição é um testemunho de como ele se reinventou. Rubens Gerchman, por seu turno, enveredou por uma arte francamente decorativa como forma de sobrevivência no mercado. Não deixa de ser irônico que suas antigas obras de denúncia das mazelas sociais – que, vistas pelo prisma de agora, são de um esquerdismo algo infantil – hoje possam atingir cifras tão respeitáveis.

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