Entrevista:O Estado inteligente

sábado, maio 12, 2007

O real valorizado atrai investimentos como nunca

Crise às avessas

Tem mais gente querendo "comprar Brasil" do
que "vender Brasil". Com isso, há dólar sobrando


Giuliano Guandalini e Julia Duailibi

Ilustração Baptistão

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Em Profundidade: Crescimento Econômico

Nos últimos dois séculos, não foram poucos os surtos de investimentos estrangeiros no Brasil. O primeiro deles deu-se logo depois da independência, em 1822. Financistas de Londres esperavam lucros extraordinários diante do potencial dos projetos da nação que nascia. Mas poucos investimentos vingaram, e logo as expectativas se frustraram. De lá para cá, o roteiro foi sempre o mesmo: surtos de otimismo, cedo ou tarde, substituídos por grandes ressacas. O Brasil está a um passo de mudar essa história. Depois de uma década de avanços, o país começa a ser premiado por condições internacionais únicas e pela estabilidade e previsibilidade de sua economia. Nasce no Brasil um fluxo inédito de investimentos privados de longo prazo. Em outras palavras, há cada vez mais pessoas e empresas dispostas a investir em outras empresas e pessoas, e não em títulos do governo, que rendem cada vez menos devido à queda dos juros. Como resultado, começa a sobrar mais dinheiro para atividades produtivas, como infra-estrutura, moradia, educação, tecnologia e até mesmo entretenimento.

A face mais visível desse processo é a Bovespa (a Bolsa de Valores de São Paulo), que já captou 72 bilhões de reais desde 2004 somente com a emissão de novas ações – uma montanha de recursos que está irrigando projetos como a construção de condomínios residenciais e usinas de etanol. Mas o fato mais auspicioso é o despertar dos fundos especializados em injetar recursos em negócios incipientes ou promissores diretamente, sem passar pela Bovespa. Conhecidos como private equity e venture capital, fundos como esses capitalizaram o nascedouro de gigantes atuais, como a Microsoft, o Google e o Skype. Havia poucos deles no Brasil até recentemente. Mas em 2006 foram criados 26, o dobro do número registrado em 2005. Para este ano, estima-se que eles captem e invistam 3 bilhões de dólares. Exemplos não faltam. Sócio do Gávea Investimentos, o ex-presidente do Banco Central Armínio Fraga administra fundos que injetaram recursos em setores tão diferentes como educação, transportes e entretenimento. Apenas nas últimas semanas, o Gávea tornou-se acionista das operações latino-americanas do McDonald's e da administradora de shopping centers Aliansce. Sua aquisição mais recente foi a CIE, empresa de entretenimento de origem mexicana que administra vários teatros, trouxe para o Brasil o Cirque du Soleil e a exposição O Corpo Humano e promove a corrida de carros mais popular do país, a Stock Car.

"Até pouco tempo atrás, o mercado financeiro era visto como um verdadeiro cassino", disse Armínio a VEJA. "Agora, reencontrou sua verdadeira função de financiar o crescimento das empresas. Estamos vendo o casamento do mercado de capitais com a economia real." Segundo o presidente da Associação Brasileira de Private Equity & Venture Capital, Marcus Regueira, essa atividade só passou a ser interessante aqui por causa da queda dos juros. Afirma ele: "Esse dinheiro não pode mais ficar parado em títulos que rendem cada vez menos. Por isso, o grande investidor está saindo atrás de alternativas". As estrelas do momento são o setor imobiliário e os negócios que envolvem energia limpa. Mas outros setores estão se mostrando apostas rentáveis, como o de educação superior.

Menos de cinco anos depois de nossa última crise financeira, em 2002, o Brasil vive uma espécie de crise às avessas: sobra dinheiro e faltam projetos e ativos de qualidade para absorvê-lo. Projetos sólidos são disputados a tapa por investidores, dentro ou fora da bolsa. É o caso da BrasilAgro, companhia do setor agropecuário que fez seu IPO (sigla em inglês para oferta inicial de ações) sem ter um único ativo. Vendeu seu capital humano – ou seja, o talento de seus sócios, entre eles o empresário Elie Horn, dono da construtora Cyrela. A empresa levantou 600 milhões de reais com a venda de ações e já comprou 96.000 hectares de terras.

Olhando para a frente, as perspectivas são ainda mais promissoras. Na semana passada, a agência de classificação de crédito Fitch elevou a nota brasileira para BB+. Trata-se da melhor avaliação jamais obtida pelo país – apenas um degrau abaixo do nível mínimo para que o país obtenha a classificação de investment grade (ou grau de investimento), selo de qualidade que atesta a confiabilidade do país aos olhos do investidor. Qual o benefício disso? Quando o país obtiver essa nota, o governo e as empresas ganharão ainda mais acesso a crédito, em volumes sem precedentes e com taxas de juro similares às de países desenvolvidos. O país entraria no radar dos 10 trilhões de dólares depositados em fundos de pensão europeus e americanos que atualmente não podem aplicar no Brasil justamente por causa da falta do investment grade. A simples expectativa de o Brasil atingir esse nirvana financeiro já se reflete na valorização dos ativos brasileiros. Não à toa, o real tornou-se moeda forte e estável.

Ao contrário de outros momentos da história do país, existe um quase consenso entre os analistas de que "desta vez é para valer". Em suma, de que não se trata de mais um surto ciclotímico da economia brasileira. Para Paulo Bilyk, sócio do banco de investimentos Rio Bravo, a queda de juros trouxe uma nova mentalidade. Antes, era fácil aplicar dinheiro, bastava emprestá-lo ao governo. Agora, os investidores, principalmente os fundos de pensão, terão de buscar aplicações de maior rentabilidade. Daí a disparada na Bovespa, cujo principal índice ultrapassou os 50.000 pontos e acumula alta de 15% neste ano, contra 4% de valorização dos fundos DI, lastreados em títulos públicos. O apetite dos investidores internos e estrangeiros trouxe um fenômeno curioso, como observa William Eid Junior, coordenador do Centro de Estudos em Finanças da FGV-SP: "A diversificação dos investimentos elevou a procura por ações. Já faltam papéis de qualidade". Por isso a pressa de muitas companhias em aproveitar o bom momento e vender suas ações na bolsa. Apenas neste ano, 21 empresas já fizeram a sua oferta inicial de ações e outras 15 estão em processo de análise. Em 2006, houve 26 IPOs. Em 2005, apenas nove.

O Brasil então dobrou o Cabo da Boa Esperança, deixou as águas do atraso para trás, e a partir de agora navegará em mares tranqüilos? Talvez. Se a rota é correta, o ritmo ainda decepciona. O país apenas começa a vislumbrar as benesses de viver num ambiente de previsibilidade e confiabilidade. Será ainda mais fácil navegar após as reformas que elevem a competitividade e a produtividade da economia.

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