Três vezes assaltada, a ex-miss Brasil
Leila Schuster vive o drama da violência
que afronta a vida nas grandes cidades
Silvia Rogar
Liane Neves | ||
Leila, em Porto Alegre: tempo para esquecer o assalto de uma hora e meia dentro da própria casa | ||
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Na década de 50, era de ouro do concurso Miss Brasil, as jovens que conquistavam o título viam as altas-rodas do Rio de Janeiro se abrir. Foi na paisagem deslumbrante da cidade que a baiana Martha Rocha, vencedora em 1954 e a mais notória encarregada de desfilar os indefectíveis maiôs Catalina, descobriu a liberdade. Quatro décadas depois, a gaúcha Leila Schuster, uma bela morena de ascendência germânica e portuguesa, buscou viver a mesma experiência. Ganhadora do título em 1993, casou-se com o empresário Hélio Viana, ex-sócio de Pelé, e adotou a cidade como sua. "Eu me encontrei. Adorei a vibração do Rio", lembra. Leila, 33 anos, comanda hoje uma grife de camisas femininas. A vida caminhava. Mas, há pouco tempo, a ex-miss passou a viver como poucos a violência que atormenta as cidades brasileiras em geral e o Rio em particular. Sofreu assaltos brutais não uma, mas três vezes – dois deles num intervalo de apenas quatro meses. O saldo foram os dedos da mão quase mutilados e a casa tomada por bandidos.
A invasão aconteceu há duas semanas. Leila vive com o marido e o filho numa casa que se debruça sobre o mar, no bairro da Joatinga, uma das vistas mais bonitas do Rio. Um ambiente que transpira tranqüilidade e foi cenário da novela Laços de Família, em 2000. Em sua bela piscina o romance entre os personagens Ritinha (Juliana Paes) e Danilo (Alexandre Borges) pegou fogo. Por volta das 8 e meia da noite de sexta-feira 4, a casa foi duramente atingida pela realidade do crime. Leila trabalhava no computador, em seu escritório, quando foi surpreendida por dois homens encapuzados e armados com pistolas. No 2º andar, um terceiro bandido rendeu Hélio. Acompanhado de uma empregada, o casal viveu uma hora e meia de terror. Na casa de um amigo, o filho do casal escapou do tormento.
Leila tem em relação aos fatos um sentimento surpreendente. "Não gosto da palavra vítima. O que eu sinto é tristeza e muita vergonha do nosso país", diz ela. Em um reflexo de fuga, decidiu passar uma temporada com a família em Porto Alegre. Ainda é difícil voltar para a casa que teve todos os armários e as gavetas revirados. O bando estava frustrado porque esperava encontrar muito mais pertences de valor. "Tentei criar uma empatia, disse que trabalhávamos, que não éramos milionários. E eles contaram que eram universitários de classe média", diz. Os assaltantes levaram duas câmeras fotográficas, celulares, jóias, dinheiro e roupas. Pouco adiantaram os cuidados com a segurança. A casa, em condomínio fechado, tem um muro alto e é vigiada por câmeras. Leila ainda foi levada pelo bando em seu próprio carro, um jipe Pajero. Foram quarenta minutos de um seqüestro que só acabou quando os assaltantes encontraram um comparsa que estava em outro automóvel. Ela foi largada a pé na praia da Barra da Tijuca.
Ricardo Leoni/Ag. Globo |
Leila: "Sinto tristeza e vergonha" |
O mais aterrador é que o grupo tinha informações detalhadas sobre a casa e sobre as vítimas. Um dos bandidos fez menção ao outro assalto que a ex-miss sofrera, poucos meses antes, no meio da rua. Em janeiro, a caminho de um desfile de moda, dois bandidos agarraram sua bolsa, montados em uma motocicleta. Como a alça da bolsa era curta, o braço de Leila ficou preso. Os assaltantes aceleraram. Ela foi arrastada de joelhos por cerca de 15 metros. Para se livrarem dela, eles a esfaquearam, ferindo gravemente sua mão. Quando finalmente conseguiu se soltar, estava sem sapatos, com a calça rasgada e os dedos da mão direita quase decepados. O dorso do pé ficou em carne viva. Tudo isso sob o sol de meio-dia. A cena não durou dois minutos, mas foi preciso uma cirurgia de quase quatro horas e centenas de pontos para a reconstituição de nervos, artérias e tendões dos dedos. Ela ainda fazia fisioterapia para recuperar os movimentos da mão quando foi novamente atacada por bandidos. O caso deu a Leila a mesma típica resignação de tantas vítimas seriais de crimes violentos: "Quando você vê que quase perdeu a vida ou a possibilidade de trabalhar, até acha que saiu no lucro".
Leila busca conforto no espiritismo, religião que adotou em 2001, justamente depois de sofrer o primeiro assalto. A sensação de estar exposta à violência dentro e fora de casa mudou sua maneira de encarar o mundo. No dia em que foi esfaqueada, tinha acordado com vontade de ter mais um filho. Agora, falta coragem. Leila também se arrepende de ter exposto a casa numa novela, mas ainda não decidiu se vai mudar de endereço. "A beleza e o dinheiro são efêmeros. O importante é estar viva para abraçar o meu filho e trabalhar", diz. Do último roubo, não restou nem a coroa de miss Brasil. A tranqüilidade também se foi.