(muito) fria
Turistas pagam caro para ir a pé até o Pólo
Sul arrastando sua bagagem pela neve, a
40 graus negativos e no meio do nada
Marcelo Bortoloti
Arquivo pessoal |
Aventura no pólo: a indiana Sara (à direita, com uma amiga) está entre os 300 que já experimentaram a viagem ao extremo do planeta |
Com 120 000 reais um turista consegue dar a volta ao mundo a bordo de um cruzeiro de luxo. Se preferir, com esse dinheiro pode passar um mês hospedado no Burj Al Arab, o único hotel sete-estrelas do planeta, nos Emirados Árabes. Mas há quem prefira pagar essa quantia para caminhar durante 55 dias pelo gelo, numa odisséia até o Pólo Sul. O pacote é oferecido por agências dos Estados Unidos, da Austrália, da Inglaterra e da Noruega. Quem compra tem direito a um guia e estrutura logística para ir a pé até o marco geográfico do pólo, no extremo sul do planeta. Por ser um turismo exótico e exaustivo (veja o quadro), está longe de ser uma febre mundo afora. Nas últimas duas décadas, cerca de 300 pessoas encararam a peregrinação. O número, claro, é ínfimo se comparado aos 20 000 turistas que vão todo ano para a região, em passeios de barco ao redor do continente polar. Mas agências especializadas garantem que a caminhada é a melhor forma de conhecer a rotina de um continente gelado e praticamente desabitado como a Antártica. O programa, que oferece um dos destinos mais inusitados já vistos, está ganhando popularidade por causa do aquecimento global. O apelo de marketing é que pode haver uma mudança radical na paisagem dos pólos. Portanto, diz-se, é melhor correr. No caso, esquiar.
Os viajantes se deslocam usando esquis nos pés durante quase todo o percurso, o que facilita sua mobilidade. Mas precisam arrastar um saco de 60 quilos, com mantimentos, roupas e barraca de dormir. Andam até 1.100 quilômetros em quase dois meses, a uma temperatura que varia de zero a 40 graus negativos. Para piorar, o Pólo Sul geográfico fica a uma altitude de 3 000 metros. No pacote clássico, os turistas partem de avião de Punta Arenas, no sul do Chile, para a plataforma de gelo de Filchner-Ronne. Dali, vão de ônibus até a base de Patriot Hills, distante 30 quilômetros. Só então partem, em grupos de duas a seis pessoas, para o Pólo Sul. A volta, claro, é feita de avião, porque ninguém é de ferro. Existem pacotes mais leves, que incluem dez dias de caminhada na neve, partindo de uma base mais próxima ao pólo. Em todos os casos, o viajante precisa enviar um currículo com suas expedições anteriores, provando que possui condições físicas e psicológicas para cumprir um trajeto desses sem se tornar um peso para o grupo. Não é pouco. Caso seja necessário, um resgate pode demorar até uma semana, dependendo das condições climáticas.
É um programa de férias para lá de radical, para quem gosta de aventuras extremas ou simplesmente de poder contar que já foi ao Pólo Sul a pé. Em janeiro deste ano, a indiana Sara Kameswaran, de 33 anos, partiu com uma amiga e o guia para uma caminhada de dez dias. Durante o trajeto, de 118 quilômetros, o grupo não encontrou nenhum ser vivo pelo caminho. No pólo, além da imensidão branca, havia apenas bandeiras de diversos países e uma base de pesquisa americana. A turista garante que, apesar disso, do frio e da dificuldade de respirar, tudo valeu a pena. "Foi a realização de um sonho de infância, e valeu cada centavo que gastei. A imensidão do pólo parece uma visão do paraíso", disse Sara a VEJA. Quem pretende investir no pacote, mais do que agasalhos, precisa levar consigo uma certeza: estará entrando numa fria.