Onde uns vêem crise, outros enxergam a chance.
Na questão da energia, por exemplo, que tantos temores levanta de que não haja oferta suficiente no futuro próximo, o especialista Mário Veiga vê uma “janela de oportunidade” para viabilizar várias fontes; entre elas, a bioeletricidade. O professor Osvaldo Soliano, da Universidade de Salvador, acha que, no Nordeste, a fonte natural é a eólica.
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— Não temos gás, não queremos o carvão da China, que pessoas do governo pensaram em importar para construir termelétrica aqui, não temos espaço para novas hidrelétricas, mas temos vento e uma coincidência: venta mais quando está mais seco e o nível de reservatórios baixa. O casamento com as atuais hidrelétricas é perfeito — diz Soliano.
Mário Veiga ajudou a desenhar a forma de produção da bioeletricidade — utilização do bagaço de cana — quando foi procurado pela Unica para discutir o tema.
Atualmente o bagaço é subutilizado.
É assim: a cana é posta na moenda (hoje da dimensão de prédios de oito andares); de lá, sai o xarope que vira açúcar e álcool. O bagaço é usado para esquentar uma caldeira que produz vapor. Esse vapor gira a turbina que produz a energia da usina.
— Quanto mais eficiente for a caldeira, mais energia se produz; mas as usinas de açúcar e álcool preferiam uma caldeira pouco eficiente por não ter mercado para o excedente de energia. Os estudos mostraram que, se a caldeira for trocada por uma mais eficiente, pode-se produzir 10 MW de energia em cada milhão de toneladas.
Como o Brasil produz 700 milhões de toneladas de cana, isso significa produzir 7.000 MW de energia firme, o que dá a soma das duas hidrelétricas do Madeira mais a de Belo Monte em energia firme — explica Mário Veiga.
Mais um detalhe a favor da bioeletricidade é também a coincidência com o regime de chuvas: — A safra da cana é de maio a novembro, exatamente o período em que os reservatórios precisam ser poupados. É o parceiro ideal da hidroeletricidade — diz Mário Veiga.
O mundo da energia é feito de muitos mundos. Os especialistas têm preferências diferenciadas. Mário Veiga acha que o Proinfa, programa de energias alternativas, tem problemas; Soliano gosta particularmente do programa.
— O programa é muito amarrado: um terço para biomassa, um terço para eólica e um terço para pequenas centrais; o critério é da antigüidade da licença ambiental, quando eu acho que a ordem certa deveria ser do mais barato para o mais caro — diz Veiga Ele não discorda exatamente do Proinfa, mas da maneira como foi feito. Diz também que a energia eólica hoje está cara: — A demanda por eólica na Europa, especialmente na Alemanha, está agora no auge.
Os equipamentos estão caros, mas é só uma questão de tempo. Em cinco anos, os preços cairão. Será justamente — olha como o Brasil é um país de sorte em energia — quando já estará desenvolvido o etanol celulósico, que poderá usar a biomassa. Então o preço da energia de biomassa poderá ficar mais alto, porque haverá outra demanda para a mesma matériaprima. Aí certamente é a hora de ter eólicas, que, aliás, também trocam figurinha perfeitamente com as hidrelétricas.
O Brasil nasceu para ter eólicas.
O professor Osvaldo Soliano tem o mesmo entusiasmo em relação à energia do vento e afirma que o problema é que o esquecimento do Proinfa II criou um impasse: — Há uma exigência legal de 60% de índice de nacionalização dos equipamentos.
Nós só temos uma produtora de pás, a Wobben, que tem duas fábricas no Brasil, mas está com toda a produção já comprometida com seus clientes. Como o Proinfa II foi esquecido e tanto a ministra Dilma quanto o regulador Jerson Kelman já se manifestaram contra eólica, ninguém investe em produção de equipamentos. Assim, não se pode cumprir o índice de nacionalização. Estamos num impasse.
O estudo do WWF diz que, se as atuais hidrelétricas passarem por uma modernização e obras de manutenção, poderão produzir muito mais. Tanto que não será necessário, durante muito tempo, a construção de novas hidrelétricas. O estudo foi criticado duramente, quando foi lançado, numa carta aberta da Empresa de Pesquisa Energética. Ele teria hipóteses erradas, disse a EPE. O consultor David Zylbersztajn também acha que eles superdimensionaram a capacidade de aumento de energia nas atuais usinas, apesar de não discordar da necessidade de sempre haver esforços pela eficiência energética. Veiga acha que, mesmo que os valores não sejam tão grandes quanto o WWF diz, há, de fato, possibilidade de aumento da energia produzida pelas hidrelétricas mais velhas, e existem mecanismos de mercado para viabilizar esta nova energia.
As hidrelétricas do Rio Madeira podem ser uma excelente opção, mas não são a única. Há mais um detalhe sobre as usinas. Cada uma delas terá 44 turbinas. Será a primeira vez que tanta turbina da mesma tecnologia é posta junto uma da outra. A tecnologia a ser usada lá, a bulbo, só foi utilizada em pequenas centrais de 100 a 150 MW, nunca em usinas tão grandes quanto as do Madeira.
É vasto o mundo da energia.
E não estamos presos ao dilema “usinas do Madeira ou fontes poluentes”, como o governo tem dito.
VOU recarregar minhas baterias e volto com mais energia dentro de duas semanas. Mas o Brasil é vasto e estou entre duas fontes alternativas: o sol e o vento do Nordeste ou as águas da Amazônia. Vocês ficarão com todo o gás da Débora Thomé
Entrevista:O Estado inteligente
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