Entrevista:O Estado inteligente

domingo, maio 13, 2007

Desigualdade Merval Pereira

PARIS. Nesses tempos em que a definição de direita e esquerda não é clara, e para muitos já não existe, o filósofo italiano Norberto Bobbio escolheu como parâmetro a questão da igualdade. A direita acentuaria mais a liberdade, enquanto a esquerda poria mais ênfase na desigualdade. Uma leitura mais radical dessa diferença, como a de Frei Betto, ex-assessor especial do governo Lula, é de que a direita considera a desigualdade social um fato da vida, enquanto a esquerda não se conforma com ela. Já o cientista político e exchanceler Celso Lafer, um estudioso de Norberto Bobbio, acha que com a complexidade introduzida nas relações econômicas pelo fenômeno da globalização, surgiram temas políticos e econômicos diversificados que necessitam muitas vezes de soluções meramente técnicas. Para Lafer, o objetivo hoje seria garantir o máximo de liberdade com o mínimo de desigualdade.

O sociólogo Hélio Jaguaribe tem uma definição sobre a clivagem direita/esquerda que considero bastante atual e, embora a tenha citado em coluna recente sobre as eleições francesas, vale a pena ser repetida.

Jaguaribe acha que a direita está “domada”: Hoje a direita acredita na eficácia administrativa com um mínimo de equilíbrio social. E a esquerda acredita no máximo de equilíbrio social sem afetar a eficiência administrativa mínima.

A questão da eficiência administrativa é, de fato, o ponto crucial da argumentação do que se pode chamar de “nova direita”, que Nicolas Sarkozy representaria bem, assim como o líder conservador inglês David Cameron, os dois políticos que servem de referência para os Democratas.

Outro, o ex-dirigente espanhol José Maria Aznar, teve sucesso em sua gestão e é citado pelo ex-presidente do PFL, Jorge Bornhausen, como exemplo de político eficiente que coloca a boa gestão acima das ideologias.

Para Fernando LattmanWeltman, da Fundação Getulio Vargas, a questão da desigualdade é fundamental para se entender a dificuldade de, no Brasil, alguém se assumir como “de direita”: “É possível que antes do Regime Militar de 1964 ainda se considerasse relativamente natural — e mesmo justificável, para certos setores representativos da nossa sociedade — a existência de tais diferenças, mas creio que elas tornaram-se cada vez mais inaceitáveis para um país bem mais moderno que se formou ao longo do período 1964-1985”.

O cientista político define essa sociedade como sendo “predominantemente urbana, industrial, ou mesmo ‘pós-industrial’, muito mais organizada, integrada por poderosos meios de comunicação e, last but not least, paulatinamente liberalizada e democrática”.

Ele acha que “o incômodo, o constrangimento, ou mesmo a vergonha que sentimos diante das renitentes disparidades de renda e oportunidades a que se encontra submetido nosso povo” impedem uma postura de direita mais desenvolta.

Ele também considera que “no nosso contexto cultural específico existem fortes conotações de ‘atraso’ ligadas à desigualdade. E não somente de caráter social, mas também racial e de gênero; o que também poderia pesar sobre uma eventual identidade de ‘direita’”.

Fernando Lattamn-Weltman destaca também que os críticos da esquerda “já não questionam a ilegitimidade da desigualdade. Muito pelo contrário, na verdade eles advogam para si um estatuto de maior atualidade — ou ‘modernidade’ — e afirmam poder lidar melhor com a desigualdade e sua superação do que a própria esquerda”.

Somente a superação de todo esse complexo poderia permitir a afirmação sem constrangimentos, entre nós, de uma clara identidade de “direita”, considera o cientista político da FGV do Rio. Ele, porém, tem uma dúvida: “Só poderemos superar a neurose se superarmos, de fato, as suas causas objetivas: a desigualdade e o ‘atraso’ reais? Ou o problema tem mesmo menos a ver com claros programas políticos (ou ideológicos) do que com ‘mentalidades’ e formas de cultura política?”       Publico hoje mensagem do leitor Carlos Fernando Galvão, da Ong Cidade Viva, sobre a eleição francesa, e seus comentários sobre a proposta da candidata do PS, Sègoléne Royal, de adotar a “democracia participativa”: “Quanto aos votos do Nicolas Sarkozy entre os trabalhadores de menor poder aquisitivo e de nível de educação (formal, seria bom frisar) mais baixo, não me surpreende, porque desde Marx, passando por Lênin, Gramsci, Prestes etc. sempre foi assim: a tal da vanguarda sempre foi a pequena parcela organizada, e assim continua a ser.

A expressão ‘democracia participativa’, que não dispensa e não se opõe à democracia representativa, ou a democracia direta, que é a atuação dos partidos políticos, com a ação conjunta da cidadania através dos instrumentos de consulta legais, nos remete a outra discussão.

Conselhos Municipais compõem agentes de democracia participativa, mas esta é, real e efetivamente, a participação de todos os que desejam e possam participar, e não apenas pelos Conselhos retrocitados, porque tais instrumentos contemplam apenas a conhecida como ‘Sociedade Civil Organizada’, mas não o que podemos chamar de ‘Sociedade Civil Desorganizada’ que, diga-se de passagem, compõe a maioria da população.

Assim, sem um instrumento que abre espaço para essa maioria, a democracia continuará a ser um acerto de elites, entendidas, aqui, como os políticos partidários, os empresários, as classes média e média alta, os sindicalistas e o pessoal que milita no Terceiro Setor (parte da esquerda, afinal, organizada, também compõe a elite)”.

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