Em 2003 o ex-presidente do Fórum Trabalhista Oswaldo Bargas fez um périplo junto a alguns jornalistas do eixo Rio-São Paulo para anunciar o que seriam as reformas sindical e trabalhista pretendidas pelo governo Lula. Em encontro que tivemos no Rio, na época, Bargas assim definiu conceitos e objetivos das duas reformas: Acabar com o peleguismo e com o sistema sindical vigente desde a era Vargas. Extinguir o Imposto Sindical que financia e estimula o peleguismo e a criação de sindicatos fantasmas. Os sindicatos passariam a viver da prestação de serviços e da contribuição dos associados. Remanescente da era Vargas, a legislação trabalhista seria reformada, atualizada e adaptada às mudanças ocorridas nas relações de trabalho no Brasil e no mundo. O anúncio não foi nenhuma surpresa. Afinal, este sempre foi o ideário pregado, desde o final da década de 1970, pelo moderno sindicalismo surgido no ABC paulista, que tinha em Luiz Inácio Lula da Silva seu maior expoente. Saí do encontro com Bargas animada: nenhum governo reunia condições mais favoráveis que o de Lula para realizar as mudanças necessárias, dar força e autonomia financeira aos sindicatos e trazer para a legalidade milhões de trabalhadores jogados na informalidade, sem nenhum direito trabalhista. Lula tinha conhecimento, experiência, autoridade e liderança com os dirigentes sindicais - de empregados e empregadores. Quatro anos se passaram, nenhuma mudança foi feita, a reforma sindical está engavetada no Congresso, a trabalhista nem começou e foi abandonada. Responsável pela condução das duas reformas, Oswaldo Bargas trocou o cargo de presidente do Fórum Trabalhista pela arapongagem na campanha eleitoral de 2006, envolveu-se com o dossiê Vedoin, recebeu do amigo Lula o apelido de aloprado e hoje anda sumido. Visto por Bargas como o símbolo do peleguismo e do atraso que deveria ser varrido do movimento sindical, Luizant Mata Roma, presidente do Sindicato dos Comerciários do Rio de Janeiro por várias décadas, não chegou a se sentir ameaçado pela anunciada reforma sindical e ficou no posto até morrer, em 2005. De tudo o que pretendia Lula, a única coisa que sobrou surgiu há dias e está mais para uma ação entre amigos do que para a reforma sindical: até o final deste mês o governo vai encaminhar medida provisória ao Congresso que, em vez de extinguir o Imposto Sindical, como anunciou Bargas em 2003, destina 10% de sua arrecadação para as centrais sindicais - CUT, Força Sindical e a recém-criada Nova Central Sindical de Trabalhadores (NCST) -, que irão ratear mais de R$ 100 milhões. Recolhido pelo Ministério do Trabalho, o Imposto Sindical é pago por todos os trabalhadores, sindicalizados ou não, e seu valor equivale a um dia de trabalho. Em 2006 ele somou R$ 1,031 bilhão, 80% rateados entre sindicatos, federações, confederações e agora também as centrais sindicais, que ficarão com metade dos 20% antes destinados ao governo. O dinheiro certo e fácil do imposto é o principal motor a incentivar oportunistas a inventar sindicatos fantasmas, sem associados nem representatividade, com o único objetivo de se apropriar da arrecadação do tributo. Como não há fiscalização do Ministério do Trabalho, os fantasmas proliferam e viram negócios lucrativos para aproveitadores. Além dos 10% do imposto que agora irão apropriar, as três centrais também recebem dinheiro do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT) a pretexto de financiar treinamento e qualificação de mão-de-obra. Na gestão de Francisco Dornelles no Ministério do Trabalho, em 1999, foram descobertos muitos cursos fantasmas, 'funcionando' em salinhas pequenas onde era impossível treinar trabalhadores. São as próprias centrais que decidem a distribuição do dinheiro, em reuniões fechadas do Conselho do FAT (Codefat), em que a falta de transparência é marca obrigatória. Dinheiro público em abundância para sindicatos incentiva fraudes e ascensão de lideranças acomodadas, que se eternizam na direção, garantidas por eleições de cartas marcadas, e abandonam a defesa dos trabalhadores que deveriam representar. Estes, distantes e esquecidos, ignoram o que se passa nos sindicatos e até que os financiam com seu dinheiro de um dia de trabalho. Sindicatos fortes são aqueles que prestam serviços, defendem seus trabalhadores e são por eles reconhecidos com o pagamento da contribuição sindical. Como acreditavam Lula e seu aloprado. No passado.
*Suely Caldas é jornalista. E-mail: sucaldas@terra.com.br