Acabo de ler um livro que deveria haver lido há muito tempo. Chama-se A árvore de Guernika e foi escrito por um jornalista inglês, George Steer, que acompanhou a invasão do País Basco pelas forças falangistas, alemãs e italianas. Descreve admiravelmente bem o que chamou de primeira guerra moderna, com a população civil massacrada pelos bombardeios aéreos para desmoralizar a resistência de todos, tropas e povo. A minúcia das descrições, a coragem e a honestidade intelectual do autor, acusando, na época, os fascistas pelo bombardeio de Guernica e de tantas outras cidades pacíficas, são notáveis. Mas também chama a atenção o modo direto pelo qual Steer acusa de omissão, incompetência e quase traição os 'Estados-Maiores' das forças republicanas, incapazes que foram de respaldar e levantar o moral dos bravos combatentes bascos. Por mais que estes se esforçassem, sem um comando unificado e competente, capaz de dar-lhes um objetivo de vitória, a derrota se foi desenhando no dia-a-dia das refregas.
Sem subscrever a frase famosa sobre a política como continuação da guerra por outros meios, não há dúvida que nas disputas políticas o ponto de aglutinação da militância e, mais tarde, dos eleitores, depende da competência dos Estados-Maiores partidários para expressar a unidade de comando, ter objetivos claros e ser capaz de alentar os que lutam pela 'causa'. Estamos muito longe das eleições de 2010, mas muito perto do momento que requer um discurso político vigoroso, de unidade, que mantenha o moral do eleitorado oposicionista e apresente a todos alternativas. À falta destas, se as coisas não forem muito mal na economia (e não estão indo), o eleitor comum olhará em torno e pensará: 'Se não vejo nada melhor, pelo menos que não se desfaça o já feito.'
Quem parte dividido para as batalhas amplia as chances de derrota. É necessário, pois, consolidar as alianças internas e entre os partidos. Mas, sobretudo, dos partidos com segmentos expressivos da sociedade, como os setores de vanguarda das classes médias, que querem novos rumos. Faltando definições simples, abrangentes e claras sobre o que os partidos querem, as discussões serão sempre sobre quem, em vez de ser sobre o para quê. Fulanizando o debate antes da hora e dando margem à ação destruidora da intriga, dos próximos e dos adversários, só se entusiasmam as forças do círculo íntimo dos candidatáveis. Não basta. O País precisa mobilizar mais amplamente recursos de pensamento e de vontade para enfrentar o século 21.
Se deixarmos de nos comparar conosco mesmo e prestarmos mais atenção ao que está acontecendo no mundo, veremos que nossos concorrentes avançam a passos largos, enquanto nós voltamos ao ufanismo ingênuo, marcando passos, afogados na irrelevância. Dito de modo eloqüente: precisamos de uma visão de grandeza. Uma visão que não tenha medo de se proclamar 'moderna', disposta a aprofundar a democracia, a combater o clientelismo renascente, a denunciar as tergiversações populistas do governo, a crer no cumprimento da lei, a alentar mais igualdade e que ouse, ao mesmo tempo, preparar o País para um mundo cada vez mais globalizado, mais dependente de ciência, da tecnologia, de inovações e da capacidade de competir.
Devemos ser contemporâneos do século 21 e não do passado, reconstruindo no imaginário coletivo a crença em um futuro melhor. Mas não bastam idéias abstratas para mudar comportamentos políticos. É preciso definir o adversário e mostrar que só 'nós' faremos melhor do que ele. Assumamos que temos outro estilo, mostremos na prática que nosso comportamento é diferente. Denunciemos com convicção e coragem a mesmice, a fanfarronice e, sendo o caso, o desvio de conduta dos donos do poder, sem esperar que só a mídia o faça.
'Ah!', dirão os céticos, 'mas o que tem que ver o povão com tudo isso?' Tem e muito. Se quisermos projetar um futuro que não seja de esmolas para os pobres disfarçadas em bolsas e de concentração de renda ainda maior, temos de assegurar à maioria condições para competir e obter emprego, com melhor educação e mais crescimento econômico. Caso contrário seguiremos no rumo do apartheid moderno, que transforma o Estado em casa de misericórdia e o mercado em apanágio dos bem-educados.
Mostremos isso de maneira direta e simples. Tomemos qualquer país bem-sucedido do Sudeste Asiático, ou a Espanha e mesmo Portugal, vejamos o que era em 1960 e como é hoje e comparemos com o Brasil das duas épocas. Façamos, depois, a engenharia reversa: desmontando peça a peça o que aqueles países fizeram com as famílias, com a educação, com as instituições, e assim por diante. E projetemos, sem exagerar, o que poderá acontecer conosco se fizermos algo parecido nos próximos 20 anos.
Mas parecido não é igual. Façamos nossa caminhada com mais democracia, mais eqüidade e mais respeito ao meio ambiente, sem repetir os erros do passado. Busquemos formas de crescimento econômico sem tanta destruição da natureza e sem tanta concentração de renda. No passado, nos tempos de nosso 'milagre econômico', quando as superestatais davam a mão a suas burocracias e aos privilegiados do setor produtivo privado, crescemos deixando as cidades incharem, carreando para elas a miséria do campo. Criemos efetivamente 'um outro desenvolvimento', sem esquecer de ampliar o que já logramos de avanço com estabilização e responsabilidade fiscal. Podemos, por exemplo, explorar o etanol e a alcoolquímica em complexos produtivos que associem o agrobusiness à agricultura familiar e ao conjunto do mundo rural. Diversifiquemos a produção, respeitando o zoneamento agrícola e sendo radical: nenhuma árvore da floresta Amazônica ou do bioma Atlântico derrubada. Tolerância zero para a queima das matas. Difícil? Sim. Mas, sem um programa ambicioso, como evitar que o dióxido de carbono transforme o planeta em sítio hostil ao homem?
Em artigo de jornal, apenas há espaço para simples alusões a um futuro melhor. Mas que há caminhos, há. E, em nossas prédicas, não nos esqueçamos que emprego e segurança são as preocupações dominantes na sociedade. Assim como no caso do meio ambiente, também no caso da segurança é preciso, sem fórmulas copiadas, mobilização total de inteligência, coordenação entre os órgãos públicos dos Estados e da União e comando do presidente para que o Estado ocupe o espaço ora em mão dos bandidos.
Por fim, uma referência à questão de método. O povo cansou de ouvir os políticos. A oposição não pode se restringir ao Congresso Nacional. A política contemporânea requer a combinação da mídia com a ação direta. Não para inculcar nos ouvidos do cidadão a lengalenga que ele não quer mais ouvir, mas para escutar onde o calo aperta e redescobrir o que fazer, juntando-nos às múltiplas percepções e ações que ocorrem na sociedade