Enganou-se quem pensou, como eu (ver meu artigo de 22/4/2007), que morreria a infeliz idéia de criar o Banco do Sul, defendida por Chávez e Kirchner e apoiada pelos presidentes da Bolívia e do Equador. As declarações de Lula na Venezuela e no Chile, quando levantou dúvidas sobre as finalidades do banco, sugeriam que ele havia entendido que a proposta era uma fria e se preparava para 'cozinhá-la' até seu esquecimento.
Não foi o que aconteceu. Em Quito, o ministro da Fazenda apoiou a proposta e anunciou uma esquisita idéia, a de o BNDES ser o cotista brasileiro. Seria a primeira vez que o governo se tornaria sócio de uma instituição desse tipo sem a participação direta do Tesouro. Na verdade, a esquisitice não é o maior problema do crescente comprometimento com a proposta. Como mostrei no citado artigo, nada teremos a ganhar e muito a perder.
Vejamos outros argumentos. A melhora dos fundamentos econômicos do Brasil e a redução de sua vulnerabilidade externa lhe tem permitido amplo acesso aos mercados internacionais de capitais, nos quais captou US$ 5,45 bilhões em 2006. Não precisamos, pois, do Banco do Sul.
Se quiser, o Brasil pode dispensar novos empréstimos do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), pois já obtém recursos a juros semelhantes com menores custos de transação. O México, que detém a classificação de grau de investimento desde 2000, pagou metade de sua dívida com o BID. O Brasil está a caminho de obter a mesma classificação.
Mesmo que todos os países da região aderissem (Chile, Colômbia, Peru e Uruguai dão sinais de que não embarcarão na aventura), o Banco do Sul não teria como se beneficiar da classificação de risco dos acionistas, como faz o BID, que se alavanca e capta a juros mais baixos do que seus membros conseguem diretamente. Se o Banco do Sul não funcionar alavancado, emprestará apenas os seus próprios recursos, a exemplo do Fonplata, do qual o Brasil obteve minguados US$ 4,2 milhões em 2005.
O Banco do Sul pagaria juros mais altos que o BID, pois entre seus prováveis membros apenas o Chile tem grau de investimento. Brasil, Peru e Colômbia podem obtê-lo a partir de 2008. Assim, levaria décadas (e olhe lá) para chegar perto da classificação triplo A ostentada pelo BID, que se deve ao fato de metade de seu capital ser subscrita pelos Estados Unidos (30% do total) e por outros países desenvolvidos.
A Corporação Andina de Fomento (CAF), criada em 1969, somente conseguiu o grau de investimento em 1993 (nível A+) depois que passou a ser gerenciada segundo práticas prudenciais e financeiras semelhantes às do BID.
Sua classificação ainda não é a mesma do BID, mas é melhor que a da maioria de seus sócios. O Banco do Sul levaria anos (e olhe lá) para se aproximar do status de risco da CAF.
Isso porque a reputação dos países que defendem sua criação não é das melhores. A Venezuela saiu do FMI e do Banco Mundial por razões populistas. A Argentina está em default com o Clube de Paris e problemas remanescentes do calote de sua dívida externa lhe barram o acesso a mercados internacionais. Depende de Chávez para colocar os seus papéis ou os vende no mercado interno a custos mais altos.
Equador e Bolívia têm baixa credibilidade nos mercados, a qual tende a piorar. A Bolívia é useira e vezeira em não pagar dívidas e agora rompeu contratos com a Petrobrás. O Equador expulsou o representante do Banco Mundial e faz declarações pouco amistosas sobre o FMI.
Em resumo, se não utilizamos o potencial de empréstimo em organização de mais futuro como o BID, não faz sentido apoiar a criação de uma outra sem robustez, que nos cobraria juros mais altos. O Banco do Sul interessa a países que inspiram pouca confiança entre os investidores, o que definitivamente não é o caso do Brasil.
Não consta que nosso País tenha dinheiro sobrando a ponto de apoiar uma idéia tão extravagante e de pouco utilidade para o seu desenvolvimento. Em vez de alimentar interesses de Chávez e outros populistas, melhor seria utilizar os correspondentes recursos em fins mais nobres, como infra-estrutura, educação, saúde e outros programas sociais ou em elevação do superávit primário.
Não existe justificativa econômica, política ou diplomática para apoiar a criação do Banco do Sul. Ou o governo brasileiro não estudou bem o assunto ou não tem habilidade para negar o seu apoio à iniciativa.
*Mailson da Nóbrega é ex-ministro da Fazenda e sócio da Tendências Consultoria Integrada (e-mail: mnobrega@tendencias.com.br)