Entrevista:O Estado inteligente

domingo, maio 06, 2007

E nós, aonde vamos? Miriam Leitão

O que faz o Brasil ao lado da China quando o assunto é mudança climática? A China vai se tornar este ano o maior emissor de gases de efeito estufa do planeta. O Brasil tem vários ativos ambientais e um grande problema: o desmatamento da Amazônia.
Combatê-lo é do nosso interesse. Por que, então, o Brasil se alia à China nas escaramuças contra o alerta dos cientistas?
A posição diplomática brasileira no debate ambiental e climático caducou.

Quando foi formulada, podia fazer sentido. O Brasil defende que países em desenvolvimento não devem sofrer a imposição de limitação às suas emissões porque não foram eles os responsáveis pelos gases poluentes que hoje produzem o desequilíbrio climático, e, sim, os países industrializados.

O embaixador Luiz Felipe Lampreia, um os autores dessa política, sustentou recentemente num artigo no GLOBO que tal postura perdeu a validade.

— Isso fazia sentido lá atrás, quando não se tinha noção da gravidade do problema.

Hoje, com toda a informação trazida pelos cientistas, com o consenso científico sobre os riscos, com toda a força com que a opinião pública mundial se preocupa com a mudança climática, com o aumento enorme das emissões da China, não faz mais sentido manter a mesma posição nas negociações internacionais — diz Lampreia.

Os relatórios do IPCC não são documentos diplomáticos.

São relatórios dos cientistas e, mesmo assim, as delegações tentam influir politicamente nos termos com os quais serão descritas as constatações científicas.

A China e os Estados Unidos têm sido os grandes bloqueadores das negociações por não quererem assumir as responsabilidades que têm diante do risco que corre o planeta. Os EUA de George Bush, que já censurou cientistas, que não assinou nem o Tratado de Kyoto, que tentou negar o quanto pôde a existência do problema e tenta postergar a inevitável adoção de medidas de corte das emissões.

A China se esconde atrás do rótulo de “em desenvolvimento”.

O Brasil alia-se a esses sujões.

— Por enquanto, o que ocorre ainda tem pouca influência dos diplomatas, mas, entre o fim deste ano e o início do próximo, começará uma grande negociação para o protocolo que virá depois de Kyoto. E o próximo não será tão vago, tão generalista, porque o conhecimento humano sobre o fenômeno aumentou muito em relação há dez anos, quando Kyoto começou a ser negociado. De lá para cá, ampliou-se muito a pressão da opinião pública também. Cada país terá que assumir sua responsabilidade.

Os Estados Unidos já começaram a mudar — afirma Lampreia.

A era Bush está chegando ao fim. Os candidatos do Partido Democrata já anunciaram uma postura favorável ao corte das emissões.

O mais forte pré-candidato do Partido Republicano, senador John McCain, também avisou que a política muda.

Enquanto isso, o Brasil continua seu perigoso abraço de afogado com a China, tentando uma guerra de guerrilhas contra palavras nos textos finais de relatórios do IPCC. Neste último, aliás, com muito pouco sucesso, porque os cientistas se fecharam na defesa da fidelidade de suas conclusões.

E elas trouxeram, inclusive, uma boa notícia: é viável, está no horizonte das nossas possibilidades, reverter o perigoso estrago que estamos fazendo no planeta.

— O Brasil tem um bom currículo nesta área, usa principalmente energia hidrelétrica, há mais de 20 anos usamos biocombustível, temos a Amazônia. O único problema é o desmatamento, mas os governos brasileiros têm se mostrado preocupados com isso e tentado combatê-lo — comenta Lampreia.

Enquanto isso, a China usa carvão, tem mantido seu crescimento acelerado a qualquer custo, tem sido um incentivo para a destruição das florestas da Ásia e está virando o primeiro emissor de gases do efeito estufa. E é com ela que nos aliamos pelo direito de os “países em desenvolvimento” destruírem em paz o planeta em nome de se desenvolverem.

Como se não tivéssemos visto que, no Brasil, desmatamento jamais produziu progresso; pelo contrário, da maneira como é feito, deixa apenas um rastro de pobreza e destr uição.

Nem que fosse por razões de interesse puramente comercial, a melhor política seria ter uma postura ofensiva: aceitar limites à nossa fonte mais importante de emissão, que é o desmatamento.

Perseguir com tenacidade o desmatamento zero, ainda que ele pareça, neste momento, inatingível.

Colar no Brasil a imagem de país verde, para usar essa credencial num mercado que vai consumir mais biocombustível, e que vai valorizar os serviços ambientais prestados pela biodiversidade preservada.

— Seria péssimo se ficássemos com a imagem, junto às ONGs e à opinião pública, de país inimigo do meio ambiente — lamenta o exministro.

Pela falta de visão estratégica ou de noção de como o tema da mudança climática está transformando o mundo, ou ambas, o Brasil quer vender etanol, mas não estabelece limites claros para a expansão da plantação de cana-de-açúcar; quer recursos para financiar a proteção da floresta aliando-se à China na busca de uma “licença para poluir”; quer fazer duas hidrelétricas na floresta atropelando o Ibama. Pode-se até concluir, ao fim das análises, que as usinas do Madeira são a melhor opção, mas de pouco adiantará ao presidente Lula falar com o Papa a respeito. Melhor faria se estivesse trabalhando para que o governo mudasse atitudes, valores e estratégia no delicado e complexo conflito entre energia e meio ambiente.

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