Carlos Alberto Di Franco
Com a justificativa de que dar tratamento médico aos dependentes de drogas dá mais resultado do que reprimir o consumo de entorpecentes, alguns profissionais da área da dependência química querem impor um discutível programa de redução de danos à saúde por uso de drogas ilícitas. Ninguém, com um mínimo de conhecimento do tema, discute que o usuário é um doente que precisa ser ajudado e tratado. Seu lugar não é a cadeia, mas os centros de recuperação. Prisão, dura e sem progressão de pena, deve ser reservada aos traficantes.
Os “vanguardistas” de certas políticas de redução de danos defendem, por exemplo, a criação de locais especiais de “uso seguro” de drogas para dependentes graves. Nesses espaços não haveria repressão ao consumo. Ao contrário, os viciados seriam estimulados a substituir drogas pesadas por outras supostamente leves, como a maconha.
Caso adotássemos os princípios defendidos pelos lobistas da liberação de drogas, o Brasil estaria entrando, com o costumeiro atraso, na canoa furada da experiência européia. A Holanda, que foi pioneira ao autorizar a abertura de cafés onde era permitido consumir maconha e haxixe, já está dando marcha à ré. O mesmo ocorre na Suíça, que também está voltando atrás na política de liberar espaços em que viciados se encontram para injetar heroína fornecida pelo próprio governo.
Todos, menos certos “especialistas” da dependência química, sabem que, assim como não existe meia gravidez, também não há meia dependência. É raro encontrar um consumidor ocasional. Existe, sim, usuário iniciante, mas que, muito cedo, se transforma em dependente crônico. Afinal, a compulsão é a principal característica do adicto. Um cigarro da “inofensiva” maconha preconizada pelos promotores da redução de danos radical pode ser o passaporte para uma overdose de cocaína. Não estou falando de teorias, mas da experiência cotidiana e dramática de muitos dependentes.
Transcrevo, amigo leitor, o depoimento de um adicto recuperado. Ele fala com a força e a sinceridade de quem esteve no fundo do poço: “Sou filho único. Talvez porque meus pais não pudessem ter outros filhos, me cercavam de mimos e realizavam todas as minhas vontades. Aos 12 anos comecei a fumar maconha, aos 17 comecei a cheirar cocaína. E perdi o controle. Fiz um tratamento psiquiátrico, fiquei 9 meses tomando medicamentos e voltei a fumar maconha. Nessa época já cursava Medicina e convenci os meus pais de que a maconha fazia menos mal que o cigarro comum. Meus argumentos estavam alicerçados em literatura e publicações científicas. Eles mal sabiam que estavam sendo enganados, pois, além de cheirar, também passei a injetar cocaína e dolantina, que é um opiáceo. Sofri uma overdose e somente não morri porque estava dentro de um hospital, que é o meu local de trabalho. Após esta fatalidade decidi me internar em uma comunidade terapêutica e hoje, graças a Deus, estou sóbrio. O uso moderado de maconha sempre acabava nas drogas injetáveis. Somente a sobriedade total, inclusive do álcool, me devolveu a qualidade de vida que não pretendo trocar nem por uma simples cerveja ou uma dose de uísque.” A.S.N., médico, ex-interno da Comunidade Terapêutica Horto de Deus, Taquaritinga, São Paulo.
Observa-se, lamentavelmente, um crescente movimento a favor da descriminalização das drogas, sobretudo da maconha. Bandeira freqüentemente agitada em certos setores da mídia e em alguns redutos de profissionais da saúde, a descriminalização não ajudará nada. Ao contrário. Como afirmou o respeitado psiquiatra Ronaldo Laranjeira, professor do Departamento de Psiquiatria da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e coordenador da Unidade de Pesquisa em Álcool e Drogas (Uniad), “os artigos recentes mostram de uma forma inquestionável que o consumo de maconha aumenta em muito o risco dos jovens desenvolverem doenças mentais. Do meu ponto de vista essa geração que consome maiores quantidades de maconha do que a geração anterior pagará um alto preço em termo de aumento de quadros psiquiátricos”, sublinhou o especialista.
De fato, há estudos recentes sobre o poder carcinógeno (causador de câncer) da maconha, que é quatro vezes superior ao do tabaco. Além disso, trabalho publicado na prestigiosa revista British Medical Journal revelou dados que mostram uma correlação importante entre o uso crônico da maconha e a psicose.
A verdade precisa ser dita. Não se podem admitir argumentos politicamente corretos quando o que está em jogo é a vida das pessoas. O hediondo mercado das drogas está dizimando a juventude. Ele avança e vai ceifando vidas nos barracos da periferia abandonada e no trágico auê dos bares e boates freqüentados pela juventude bem-nascida. Movimenta muito dinheiro. Seu poder corruptor anula, na prática, estratégias meramente repressivas. A prevenção e a recuperação, únicas armas eficazes a médio e longo prazos, reclamam um apoio mais efetivo do governo e da iniciativa privada às instituições sérias e aos grupos de auto-ajuda que lutam pela reabilitação de adictos. É preciso, dentro e fora do governo, resistir às novas tentativas de glamourização do uso das drogas, sobretudo da maconha.
A próxima visita do papa Bento XVI à Comunidade Terapêutica Fazenda Esperança trará consolo e otimismo aos que lutam contra a dependência química. Será, ademais, uma excelente oportunidade para a retomada de uma discussão séria e responsável a respeito dos caminhos para a recuperação de adictos.