Se o povo está revendo favoravelmente sua opinião sobre Lula, por que Mangabeira Unger não pode? |
TENHO OUVIDO DE um número crescente de pessoas a afirmação de que estão se tornando mais otimistas em relação ao presidente Lula e que, afinal, seu governo poderá dar certo.
Compreende-se esta mudança. Depois do desastre político e moral que envolveu o PT e interrompeu a carreira política de assessores próximos do presidente, atingindo-o profundamente, Lula logrou se reafirmar politicamente ao manter sua identificação com as massas, foi reeleito com grande margem e, afinal, não obstante o sistema eleitoral o tenha obrigado a fazer muitos acordos, montou um ministério respeitável.
Hoje o presidente conta com políticos da melhor qualidade em diversos ministérios. Manteve os titulares do Ministério da Fazenda, das Relações Exteriores, da Cultura e da Educação, que vêm fazendo um bom, senão um excelente, trabalho. Seu novo ministro da Saúde está caminhando na direção certa ao enfrentar os grandes laboratórios internacionais.
Entre os novos membros do governo está Luciano Coutinho, um excelente economista identificado com uma política de retomada do desenvolvimento do país.
Aos poucos, apesar de não ter ainda se sentido com segurança para enfrentar a ortodoxia convencional no seu coração -o da política macroeconômica-, Lula vai imprimindo a seu governo um caráter nacional e de esquerda moderada que é fiel a seus compromissos ideológicos históricos.
Neste quadro, despencou uma tempestade sobre Roberto Mangabeira Unger, que aceitou o convite do presidente para assumir a Secretaria Especial de Ações de Longo Prazo. Indignados, seus detratores cobraram do novo ministro coerência e o reduziram a um oportunista, porque em 2005, no auge da crise moral do PT, escreveu artigos violentos contra o governo e o presidente.
Embora compreenda e compartilhe a indignação de Mangabeira Unger em relação aos acontecimentos da época, creio que ele se deixou emocionar e disse mais do que seria razoável dizer. Errou, portanto.
Não errou, porém, nem foi oportunista ao aceitar agora o convite.
Se o povo e a sociedade civil estão revendo favoravelmente sua opinião sobre o presidente Lula, por que Mangabeira Unger não pode revê-la também?
Encontrei-me com ele em Boston há três semanas, antes de receber o convite, e ele se mostrava esperançoso no governo, cujas políticas começavam a ganhar caráter mais de esquerda e nacional.
Por que não pode ele, quando convidado, oferecer seus préstimos ao país?
Mangabeira Unger é um notável intelectual; é um filósofo político e do direito respeitado em todo o mundo. Sempre foi um homem de esquerda que se propôs a formular uma teoria social ou da história alternativa ao materialismo histórico (marxista) e à teoria da modernização (americana): a "teoria da plasticidade", que rejeita o relativo determinismo daquelas teorias e afirma a possibilidade de uma intervenção mais deliberada dos homens em sua história. Há um aspecto voluntarista nessa teoria, mas é ela que sustenta sua vontade republicana de participar do governo de seu país.
Lula, ao convidá-lo para ministro, se mostra disposto e interessado em ouvi-lo. Seu governo poderá ser melhor se algumas de suas idéias forem adotadas.
LUIZ CARLOS BRESSER-PEREIRA , 72, professor emérito da Fundação Getulio Vargas, ex-ministro da Fazenda, da Reforma do Estado, e da Ciência e Tecnologia, é autor de "As Revoluções Utópicas dos Anos 60".