Entrevista:O Estado inteligente

sábado, maio 12, 2007

China e o futuro da música clássica

DRAGÃO MUSICAL

Na China, país que já rejeitou a cultura erudita
do Ocidente, pode estar o futuro para as criações
de Bach, Mozart e Beethoven


Sérgio Martins

Sisi Burn/Top Foto
Wei Hui/AFP
Tan Dun, ganhador do Oscar, e o pianista Lang Lang (à dir.): às voltas com o PC

Notícias de que a China inundou este ou aquele mercado com seus produtos há muito já não surpreendem. Mas o país parece prestes a invadir uma nova seara, essa bastante inusitada: a da música erudita. Recentemente, nomes chineses despontaram nas salas de concerto mais importantes do mundo. A maestrina Xian Zhang tornou-se braço-direito de Lorin Maazel, diretor artístico da Filarmônica de Nova York. O baixo Hao Jiang Tian conquistou elogios nas óperas de Nova York e Washington. Acima de tudo, há os pianistas Lang Lang e Yundi Li, virtuoses contratados da Deutsche Grammophon, uma das gravadoras mais tradicionais do mundo. Ao contrário de uma geração anterior, que precisou emigrar para dedicar-se à vocação artística, esses músicos cultivaram seu talento no país natal. Por trás deles há um fenômeno de massa. E massa, na China, é massa mesmo. Estima-se que existam hoje 30 milhões de estudantes de piano no país. É como se todos os habitantes do Canadá resolvessem praticar o instrumento. Há também 10 milhões de violinistas, além de 200 000 jovens que, a cada ano, procuram vaga nos conservatórios. Com esses números superlativos a China já aparece, aos olhos de muitos especialistas, como o país em que a música criada por Bach, Mozart ou Beethoven encontrará o seu futuro.

Na década de 60, Mao Tsé-tung varreu da China as manifestações da "cultura burguesa" – o que incluía, obviamente, a execução de qualquer peça erudita. O tirano morreu em 1976, o que levou a um pequeno abrandamento da censura. Mas uma década mais tarde ainda era possível ser punido pelo gosto musical. Em 1985, por exemplo, o compositor Tan Dun, vencedor do Oscar de trilha sonora por O Tigre e o Dragão, e hoje com 49 anos, pagou caro por inscrever-se em concursos eruditos na Europa. Os líderes do Partido Comunista decidiram que ele tinha sido "contaminado pelo Ocidente" e proibiram a execução de suas obras por seis meses. Tan Dun, furioso, saiu do país.

A verdadeira distensão ocorreu nos anos 90, quando até mesmo integrantes do PC chinês começaram a demonstrar apreço pelos compositores clássicos. Em 1997, o presidente Jiang Zemin disse que havia tocado em sua casa o Réquiem, de Mozart, como homenagem ao líder Deng Xiaoping, que acabava de morrer. Recentemente, o governo chinês destinou 160 milhões de dólares à construção de uma casa de ópera em Xangai e outros 400 milhões a uma moderna sala de concertos em Pequim. Nessa nova atmosfera, prodígios como Lang Lang, de 24 anos, puderam florescer. "Quando meus pais me contavam que nos velhos tempos uma pessoa podia ser presa apenas por cantar uma balada romântica, parecia que eles estavam brincando", disse o pianista numa entrevista à revista inglesa Grammophone.

Mas a China não é uma democracia, e o sucesso de um músico como Lang Lang tem seu preço. Ele às vezes é descrito como um Shostakovich chinês. O compositor russo foi usado pelo ditador Josef Stalin como exemplo das glórias da cultura soviética. Lang Lang também se presta a esse papel de garoto-propaganda: seu disco mais recente, Dragon Songs, é dedicado a compositores de seu país (muitos deles funcionários do Partido Comunista). Os executivos da Deutsche Grammophon se recusam a divulgar números, mas afirmam que Dragon Songs é o CD mais vendido da história do mercado erudito chinês. Difícil saber, dada a orgia de comércio ilegal que acontece por lá. "Não há dúvida de que lucramos com o interesse dos chineses pela música erudita", diz Klaus Heymann, dono do selo Naxos, uma das primeiras companhias a investir nos jovens compositores e músicos da China. "Mas para nós esse lucro é apenas cultural. Ele não se reflete na venda de discos, já que o país é também um gigante da pirataria."



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