Entrevista:O Estado inteligente

sábado, março 10, 2007

Veja Entrevista: Jim O'Neill


O Brasil está no jogo

O criador do termo Bric diz que, apesar do
baixo crescimento, o país ainda está no rumo
certo para se tornar potência mundial


Ronaldo França

Divulgação

"Se o Brasil crescer 3,5% ao ano nas próximas quatro décadas, será a sexta maior economia do mundo"

Apesar de seu reduzido efeito prático, poucas coisas fizeram tão bem à auto-estima nacional, nesta década, quanto a projeção de que o Brasil chegará à metade deste século como uma das seis maiores potências mundiais, ao lado das também emergentes Rússia, Índia e China e somando-se aos estabelecidos Estados Unidos e Japão. O estudo, de 2001, foi feito pelo banco americano Goldman Sachs e já passou por várias atualizações. Quem o conduziu foi o chefe do departamento de pesquisas econômicas globais do banco, o economista inglês Jim O'Neill, 49 anos. É dele a autoria da sigla Bric, formada pelas iniciais dos países. Para chegar a suas conclusões sobre a construção das novas potências mundiais, O'Neill e sua equipe analisaram dados econômicos e demográficos. O Brasil continua bem na fita. Segundo ele, o país precisa de um estado menos gastador para crescer no ritmo que o levará ao graal das potências.

Veja – O crescimento do PIB brasileiro, no ano passado, foi de 2,9%. Apesar do resultado medíocre, é possível afirmar que o Brasil ainda é um Bric?
O'Neill – O que as pessoas devem entender é que, para o Brasil se manter como um Bric, ele precisa crescer entre 3% e 3,5% ao ano pelas próximas décadas. Nas últimas duas semanas, as pessoas passaram a se perguntar se o Brasil ainda continuaria sendo um Bric, já que dificilmente obteria as taxas de crescimento da China e da Índia. Em primeiro lugar, nós nunca achamos que isso ocorreria. Nossa previsão era que o Brasil cresceria 3,1% na primeira década e 3,5% no decorrer de outras quatro décadas. Se isso acontecer nas próximas quatro décadas, o país será a sexta maior economia do mundo. Então, respondendo à sua pergunta, claro que sim, o Brasil ainda é um Bric.

Veja – Mas nosso crescimento, nos últimos dez anos, foi de 2,2%, em média...
O'Neill – É verdade. Não parece que o Brasil vá crescer na década o que imaginávamos. Mas o Brasil tem se portado bem. Sei que muitas pessoas estão constantemente surpresas com o fato de considerarmos o país como Bric, mas isso é porque elas têm falsas expectativas sobre o país. Sabemos que, para o Brasil ser bem-sucedido como Bric, tudo de que precisa é evitar crises. Não é necessário fazer tanto quanto as pessoas pensam. Está indo bem.

Veja – Seus críticos afirmam que o termo Bric é uma embalagem nova para um produto velho. Que foi criado para vender mais papéis dos países emergentes, após as crises da Rússia, da Ásia e do México. O que o senhor costuma responder a eles?
O'Neill – Ouvi isso muitas vezes e sempre acho extremamente divertido. Se eu não tivesse sido o primeiro a usar esse termo, provavelmente diria o mesmo. Mas o estudo do Bric é, de longe, o mais popular sobre os fatores econômicos globais já publicado. Um grande número de pessoas subestima e não entende que, mesmo sendo muito diferentes entre si, os países do Bric possuem populações bem grandes, e o mais importante em termos de crescimento econômico é ter uma extensa população economicamente ativa e boa produtividade. Essas são as principais variáveis que utilizamos no cálculo dos Brics. O Brasil possui a segunda melhor demografia dos Brics. A China e a Rússia têm uma demografia ruim. Entre hoje e 2050, a população economicamente ativa da Rússia vai diminuir 25%. Na China, em dez anos, também cairá. No Brasil, ela continuará a crescer. Isso é um ponto muito importante.

Veja – O governo brasileiro lançou um pacote de medidas que inclui idéias como o investimento governamental intensivo para alavancar o crescimento. Isso funciona?
O'Neill – As evidências, ao redor do mundo, mostram que o investimento dos governos para o crescimento não obteve muito sucesso. O que o governo brasileiro poderia fazer de melhor seria não se envolver tanto em assuntos econômicos. O maior problema que o Brasil enfrentou nos últimos trinta anos foi a hiperinflação. O essencial agora é permitir ao Banco Central manter o regime de metas e uma inflação baixa. Isso, por si só, será um enorme benefício. Permitirá ao país fazer com que as taxas de juro de longo prazo caiam gradativamente, pois haverá maior confiança das pessoas em que a estabilidade será um estado permanente. Isso é mais importante do que tudo.

Veja – Os juros básicos altos são apontados como a principal causa do baixo crescimento brasileiro. O que o senhor acha?
O'Neill – Para que o Brasil confirme nossas projeções, precisa reduzir as taxas de juro de longo prazo. Isso quer dizer que as expectativas de inflação têm de cair e, adicionalmente, a situação fiscal do país precisa melhorar. Acho que a chave é o controle permanente dos gastos do governo. Mas, insisto, é fundamental que as pessoas aceitem que o Banco Central mantenha o atual sistema de metas de inflação. Sem isso, as taxas de juro de longo prazo não cairão, o que certamente impedirá os investimentos no Brasil e o crescimento do PIB.

Veja – O governo não tem sido muito tímido na redução da taxa de juros?
O'Neill – Me parece que o governo está um pouco tímido nessa questão. Ele poderia ser mais desafiador.

Veja – Em suas projeções, a moeda brasileira terá uma valorização de 129% em termos reais até 2050. Como crescer com câmbio tão desfavorável?
O'Neill – Quem culpa o câmbio pelo baixo crescimento do país está definitivamente errado. O ponto central é o aumento da produtividade. A valorização da moeda brasileira tem até ajudado nesse ponto. Quando o Brasil atingir taxas de produtividade ainda maiores, comparáveis às do mundo desenvolvido, a questão do câmbio desaparece. Se você olhar o que realmente aconteceu desde que fizemos as projeções, não há evidência de que o real valorizado tenha prejudicado o crescimento do país.

Veja – Além das sempre lembradas reformas estruturais, o que mais o Brasil precisa fazer para atrair mais investimentos e se integrar de vez ao fluxo internacional de capitais?
O'Neill – Três coisas. Uma delas, que eu sempre cito, é que o Brasil deverá se tornar uma sociedade em que a inflação baixa seja uma expectativa de longo prazo. Se fizer isso, atrairá tremendamente mais investimentos estrangeiros do que hoje. Em segundo lugar, a adequação de leis, regulamentos e características de comportamento do governo, que fariam com que os investidores se sentissem mais seguros ao investir no país. A terceira, que sempre falo em tom de brincadeira, é que o Brasil deveria se mudar para a Ásia ou para a Europa. Sua localização geográfica é obviamente uma desvantagem. Mas esse é um problema insolúvel. Os únicos que conseguiram superá-lo foram os jogadores da seleção brasileira.

Veja – Um estudo recente do FMI mostrou que toda vez que o investimento estrangeiro aumenta na Ásia, especialmente na China, diminui na América Latina. O que fazer?
O'Neill – A China é o maior fenômeno da nossa era. Não há nada que o Brasil possa fazer a respeito. Eu não me preocuparia com isso. Acredito que o que está acontecendo com a China e a Índia é um superciclo que o mundo não vê desde a reconstrução da Alemanha e do Japão. Ou o equivalente moderno ao que ocorreu com a América após a guerra civil. O Brasil e a América Latina não são os únicos que sofrem com a comparação na velocidade de crescimento. China e Índia são os grandes casos globais de sucesso do presente e do futuro imediato. É inviável a idéia de que o Brasil possa competir com países que têm mais de 1 bilhão de habitantes e, mais importante, centenas de milhares de pessoas se urbanizando rapidamente.

Veja – Mas, então, que vantagens o Brasil tem sobre os outros emergentes?
O'Neill – O Brasil é particularmente rico em produtos primários, as commodities, das quais a China e a Índia tanto precisam. Isso é uma grande vantagem, que o Brasil deveria explorar continuamente. Confesso que não nos demos conta disso quando fizemos nossa análise dos Brics. É um ponto vital.

Veja – Esquecer o mercado americano e apostar em comércio com os países pobres, opção de nossa diplomacia, atrapalha o crescimento?
O'Neill – Não me empolgo muito com esses acordos regionais de comércio. Como são burocratas, os funcionários de comércio exterior ficam muito excitados com essas coisas, mas existem muitos outros fatores para o desenvolvimento econômico natural. O Brasil deveria se concentrar neles, em vez de se preocupar com acordos específicos de comércio com Alca, África ou qualquer outro. Como disse antes, o Brasil tem muitas coisas de que a China precisa, e isso é o mais importante para a próxima década, no que diz respeito ao comércio internacional. Não acho que acordos comerciais sejam mais relevantes do que isso.

Veja – Dá para prever o que acontecerá no mundo com uma possível desaceleração da economia da China?
O'Neill – O que está havendo na China é uma desaceleração feliz. Será uma pequena desaceleração, muito pequena. A China crescerá 9,5%, em vez de 11%, e a América, 2,5%, em vez de 3%. Ainda assim, não existirá recessão na América e teremos uma economia extremamente forte na China.

Veja – A Índia tem mesmo condições de superar a China ?
O'Neill – Não. As pessoas que dizem isso são populistas, não estão apoiadas em evidências. A Índia tem déficit fiscal, um déficit crônico, e muitas coisas para mudar em termos de produtividade. A China deverá se manter muito forte. Os dois países estão bem, mas a China encontra-se numa posição bem mais forte hoje em dia.

Veja – Mas o fato de não ser uma democracia, e todas as conseqüências que isso traz ao desenvolvimento do próprio país, não coloca a China em desvantagem?
O'Neill – Isso pode ser uma vantagem.

Veja – Uma vantagem?
O'Neill – O fato de a Índia ser uma democracia é provavelmente uma desvantagem. Para um país que se desenvolve tão rapidamente, com grande número de pessoas, conseguir estabelecer a concordância entre 1,1 bilhão de pessoas é algo muito difícil. Isso é mais fácil na China, onde o governo pode simplesmente dizer a 1,3 bilhão de pessoas o que vai fazer e pronto. Então eu tenho uma visão, que é evidentemente controvertida, de que, no atual estágio de desenvolvimento dos dois países, a democracia é provavelmente uma desvantagem.

Veja – Com isso, o senhor está dizendo que, para os mercados emergentes, ser uma democracia é um problema?
O'Neill – Não de forma geral. O que estou dizendo é que para países com população extremamente grande, como China e Índia, que são os únicos do mundo com mais de 1 bilhão de habitantes, ser aberto como uma democracia não é obviamente uma vantagem em termos de crescimento econômico.

Veja – O que o senhor acha da proposta sempre presente no Brasil de o estado fazer superávits menores para sobrar dinheiro para gastar e com isso incentivar o crescimento?
O'Neill – É saudável para o Brasil ter crescimento maior e mais rápido, o que não pode é relaxar a meta de superávit fiscal pelo crescimento. Como disse antes, o governo brasileiro está muito presente na economia. É preciso diminuir essa presença.

Veja – Bem, agora vamos falar de um assunto sério para encerrar: futebol. Como ex-diretor do clube inglês Manchester United, este é um tema do qual o senhor gosta e entende. O que temos de fazer para ganhar a próxima Copa do Mundo?
O'Neill – O Brasil perdeu a última Copa simplesmente porque alguns jogadores não estavam em forma o suficiente para chegar a uma final de Copa do Mundo. O Ronaldinho não estava bem. Foi nisso que deu ele ter ido para o Barcelona em vez de vestir a camisa do Manchester United! Mas vocês provavelmente vencerão. Ganharam quase todos os outros torneios recentemente. Só que, ao contrário da economia, no futebol vocês têm de deixar algum outro país ganhar de vez em quando.

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