Entrevista:O Estado inteligente

sexta-feira, março 23, 2007

"Se combinou, tem de entregar", diz Walfrido


VALDO CRUZ e KENNEDY ALENCAR
Folha de S. Paulo
23/3/2007

Articulador político do governo, que toma posse hoje, afirma que irá aperfeiçoar liberação de emendas parlamentares

Ministro prevê que governo de coalizão deve ter muitos candidatos nas eleições de 2010 por falta de "um líder, como o Lula, que nos una"

Novo ministro das Relações Institucionais, Walfrido Mares Guia, 64, diz que, "se você combinou, tem de entregar", ao prometer aperfeiçoar o sistema de liberação de emendas parlamentares para melhorar o relacionamento com a base aliada.
Walfrido prevê que, em 2010, o governo de coalizão "provavelmente vai ter muitos candidatos". Segundo ele, PT, PMDB e PSB podem lançar nomes para suceder o presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Motivo: "Não temos um líder, como o Lula, que nos una".
Novo coordenador político do governo, ele toma posse hoje apontando como suas prioridades votar o PAC (Programa de Aceleração do Crescimento), o PDE (Plano de Desenvolvimento da Educação) e as reformas política e tributária.

FOLHA - Como não-petista, o sr. não teme sofrer boicote do PT, como aconteceu com Aldo Rebelo?
WALFRIDO MARES GUIA - Não. Começa um novo mandato, um governo de coalizão. O primeiro mandato foi um governo mais do PT. Agora o presidente se elegeu numa coalizão enorme. E a formação de um governo de coalizão não implica que essa ou aquela pasta tenha de ser desse ou daquele partido.

FOLHA - O PAC completa dois meses sem uma medida provisória votada, as reformas tributária e política não caminharam. A demora da reforma ministerial não prejudica a estratégia legislativa do governo? Lula não está errando?
WALFRIDO - Não. O governo foi reeleito há cinco meses, mas começou o segundo mandato em janeiro. O Congresso só tomou posse em fevereiro. O PAC foi apresentado muito recentemente, menos de 60 dias.

FOLHA - Indefinição de líderes e ministros estimulou mais de cem deputados da base a assinar a requerimento da CPI do Apagão aéreo.
WALFRIDO - Não concordo. Aquelas assinaturas não foram por presença ou por ausência de novos ministros. E muitos quiseram tirar depois.

FOLHA - Por que o sr. é contra a criação da CPI do Apagão Aéreo?
WALFRIDO - Se é só política, prejudica o país. Todas as informações em relação à Anac [Agência Nacional de Aviação Civil] e aos controladores de vôo estão lá no Congresso.

FOLHA - Há chance de o STF mandar instalar a CPI.
WALFRIDO - Se mandar, instalamos. Aprende-se em lições primárias sobre democracia que decisão de tribunal se acata. Se não gostou, recorra.

FOLHA - A decisão de barrar a CPI não é resultado da crise que Lula viveu com a CPI sobre o escândalo do mensalão, atingindo o governo?
WALFRIDO - O presidente não tem medo da crítica, porque tem lisura na conduta pessoal.

FOLHA - No primeiro mandato, a base congressual reclamou da não liberação de emendas.
WALFRIDO - Parto da premissa de que as relações têm de ter respeito, apoio e confiança. Tem de ouvir as vozes no Congresso. No primeiro mandato, nossa coalizão não tinha estrutura tão formal como agora.

FOLHA - No primeiro mandato, Lula não teve base sólida no Congresso e até gerou o mensalão. Como evitar isso?
WALFRIDO - Gerou mensalão está nas suas palavras. Mensalão é outra história. Quero deixar claro que a base tem de ser atendida não só com liberação de emendas mas também alimentada com informações. Vamos fazer um aperfeiçoamento. As emendas individuais são feitas de acordo com a Constituição. Os deputados sabem o que falta nos Estados. A emenda é um instrumento de enorme eficácia. Temos que fazê-lo funcionar. Criar critérios de mútuo respeito, se você combinou, tem de entregar.

FOLHA - O presidente diz que o sr. vende geladeira no pólo Norte. O sr. será o primeiro ministro a conseguir entregar emendas aos deputados?
WALFRIDO - Se tiver a colaboração dos meus companheiros, vamos fazer para o resto da Esplanada o que fizemos no Turismo. Dá trabalho? Dá. Mas dá mais trabalho ir ao Congresso consertar um ambiente de insatisfação porque um ou outro não deu a atenção devida ao Congresso. Tem de cumprir. Ou então dizer que para tal área nós não temos condições de atender emendas.

FOLHA - Como será sua relação com a oposição?
WALFRIDO - Converso com a oposição todo dia. Se não conversar, fica parecendo que o governo tem de ter um Exército armado aqui para votar tudo sem tomar conhecimento do outro pedaço da população que não apóia o governo. A idéia de tratorar a oposição é péssima.

FOLHA - Quais são as prioridades?
WALFRIDO - Votar o PAC, o Plano de Desenvolvimento de Educação e a agenda de reformas, política e tributária, tudo isso conectado com o conselho político, com os governadores e articulado com o Congresso.

FOLHA - Na reforma política, quais pontos o sr. defende?
WALFRIDO - Fidelidade, voto distrital misto, financiamento público de campanha ao menos para cargos majoritários. Cláusula de barreira que dê aos partidos chance de se reaglutinar.

FOLHA - Quem o sr. pode apoiar na disputa em 2010? O sr. apoiou o deputado Ciro Gomes em 2002?
WALFRIDO - Sou amigo do Ciro, um dos maiores quadros que o país tem, mas é absolutamente prematuro discutir 2010.

FOLHA - Do governo de coalizão pode sair mais de um candidato?
WALFRIDO - Pode. Em 2010, pelo fato de Lula não ser candidato, provavelmente teremos muitos candidatos. Somos muitos partidos e não temos um líder, como o Lula, que nos una. E a oposição também não terá um candidato só.

Perfil: Ministro já apoiou tucanos e Ciro Gomes

Walfrido dos Mares Guia, 64, entrou na política pelas mãos do ex-governador de Minas Hélio Garcia. Aproximou-se dos tucanos, foi vice do governador mineiro Eduardo Azeredo, contribuiu no programa de educação do então candidato Fernando Henrique Cardoso e hoje se transformou em um dos maiores defensores do presidente Lula.
Walfrido começou a se distanciar do governo FHC depois de participar da elaboração de uma reforma tributária, bombardeada pelos ministros de FHC no Congresso. Logo depois, com seu partido, o PTB, passou a apoiar a candidatura de Ciro Gomes à Presidência. Tornou-se amigo de Ciro e se aproximou dos petistas.
Na cota do PTB, foi ministro do Turismo no primeiro mandato de Lula. Distanciou-se do presidente do partido, Roberto Jefferson, após as denúncias do mensalão.
Walfrido foi apontado como coordenador da campanha de Azeredo em 1998, que teria recebido recursos do empresário Marcos Valério. Walfrido nega e diz que foi coordenador da campanha do Azeredo em 1994.

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