Entrevista:O Estado inteligente

sábado, março 24, 2007

Os gargalos da navegação aérea brasileira

A tortura do apagão aéreo

A infra-estrutura precária, o descaso do governo
e a ganância das companhias tornaram o ato de
viajar de avião um tormento sem fim


Juliana Linhares e Victor De Martino

Marcos Nagelstein/Ag. Rbs/AE
A espera infindável no aeroporto: o pior ano para os usuários foi o mais lucrativo para as companhias aéreas



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Exclusivo on-line
Perguntas & Respostas: Caos Aéreo

Chega. Basta. Passou de qualquer limite. O viajante brasileiro, que já não conta com estradas decentes e ferrovias dignas desse nome, agora também pena para viajar de avião. Tomar uma simples ponte aérea entre o Rio de Janeiro e São Paulo, que consumia no máximo cinqüenta minutos, agora pode ser uma tortura que dura até quatro horas. Atrasos e cancelamentos de vôos entraram para a rotina dos passageiros de todos os quadrantes do país. A crise iniciada com a trombada entre o Boeing da Gol e o jato Legacy, em setembro do ano passado, tornou-se crônica – fato inadmissível para um país que se pretende civilizado. Há vários culpados para o que se convencionou chamar de apagão aéreo: a precariedade da infra-estrutura do setor, a falta de ação do governo, da qual a primeira decorre, e a ganância das companhias. Para não falar da corrupção oficial, sempre ela, como se verá nas páginas 62 e 63.

O quadro abaixo é a visualização mais límpida do descalabro. Ele mostra que a pontualidade dos aviões brasileiros, antes em padrões internacionais, despencou para níveis abissais. As justificativas para isso beiram o ridículo. Na segunda-feira passada, depois de mais um fim de semana em que um terço de todos os aviões partiu com atraso e os aeroportos voltaram a registrar cenas de passageiros revoltados com a desinformação, a desculpa foi uma queda no sistema de comunicação do Cindacta 1, que monitora os aviões em vôo no Centro-Oeste e no Sudeste. É impressionante como os sistemas nacionais passaram a cair depois da queda do avião da Gol. E o mais intrigante é que os controladores de vôo já planejam uma "nova queda de sistema" para as vésperas dos Jogos Pan-Americanos, em julho (veja a reportagem). Pois é.

Marcos Nagelstein/Ag. Rbs/AE
Aeroporto de Congonhas: 6 milhões a mais de passageiros do que poderia suportar

Até o ano passado, os brasileiros confiavam em sua aviação comercial, sem saber que ela estava corroída por dentro e já não suportava o aumento exponencial do número de usuários. Há três anos, a quantidade de passageiros cresce em níveis chineses – só no ano passado, o aumento foi de 12% –, mas o investimento no setor segue em padrões africanos. O governo federal reduziu praticamente à metade os gastos, paga mal aos controladores e mantém equipamentos de monitoramento obsoletos. As companhias também não demonstraram agilidade – nem interesse – suficiente para se adequar à nova realidade. Entre 2000 e 2006, enquanto o número de passageiros transportados anualmente subiu de 41,7 milhões para 57,6 milhões, a frota de aviões despencou de 366 para 230, uma queda de 37% (veja quadro). Em parte, isso se deve à crise da Varig, até então a principal companhia do país. No período de um ano, de 2005 para 2006, a empresa perdeu 73 aeronaves (tinha 88 e hoje opera com somente quinze). "Na era Varig, apenas 5 milhões de brasileiros tinham dinheiro para voar. Hoje, com o barateamento das tarifas, calcula-se que esse número tenha triplicado", diz Gianfranco Beting, consultor em aviação.

Diante do colapso da Varig e do aumento de passageiros, a TAM e a Gol, atualmente as duas principais companhias brasileiras, passaram a operar no limite – inclusive para manter suas margens de lucro na estratosfera. Como o crescimento do número de assentos não acompanhou o aumento de passageiros, os aviões, que no passado chegaram a voar com apenas metade de sua capacidade, hoje têm 72% de ocupação, em média. Esse índice ainda está dentro dos padrões internacionais, mas as projeções indicam que, num futuro bem próximo, a taxa poderá subir a até 89% (veja quadro) O risco é o aprofundamento do colapso do sistema e a repetição de cenas ainda piores do que as que foram vistas em dezembro do ano passado. Bastou a parada de seis aeronaves para que a TAM, em meio a seu ganancioso overbooking natalino, deixasse 340.000 passageiros sem embarcar.

Como a TAM é responsável por 48% dos vôos domésticos no Brasil, qualquer irresponsabilidade ou problema da companhia tem efeitos em cascata sobre todo o sistema. A alta concentração de mercado tornou-se, desse modo, outro fator de preocupação. Juntas, a TAM e a Gol respondem por 86% das vendas de bilhetes. Esse duopólio tem proporcionado às empresas ganhos espetaculares, justamente em um dos períodos mais traumáticos para os usuários da aviação comercial brasileira. Em 2006, a margem de lucro da Gol foi de 15%, e a da TAM, de 7,6%. Para se ter uma idéia do que isso representa, no mercado internacional margens de lucro entre 3% e 5% são comemoradas pelas empresas aéreas. No momento, boa parte das companhias americanas e européias enfrenta sucessivos prejuízos. Lucros exorbitantes assim só acontecem em ambientes de pouca concorrência – nos quais os passageiros só têm a perder em matéria de qualidade de serviços, como demonstra o caso brasileiro.

A aviação comercial sempre foi uma operação de alta complexidade, e as companhias sabem que atrasos e cancelamentos aumentam o risco do negócio. A diferença é que, onde há maior competição, descuidar desses fatores pode significar perdas incomensuráveis. No mês passado, uma tempestade de gelo que fechou o Aeroporto John F. Kennedy, em Nova York, provocou a maior crise já enfrentada pela empresa americana JetBlue. Os 100 passageiros do vôo 755 da companhia, que deixaria a cidade, ficaram presos por nove horas no avião, sem comida nem informação e com os banheiros quebrados. Os problemas causados pelo mau tempo foram agravados pelo comportamento da própria JetBlue. A empresa levou para o pátio outros aviões, a fim de que decolassem assim que a tempestade acabasse. Mas alguns equipamentos congelaram e entraram em pane. Com o pátio do aeroporto lotado pelos aparelhos da JetBlue, outros 1.000 vôos foram atrasados. Seu presidente, David Neeleman, pediu desculpas em público. Mas muitos analistas acreditam que levará um bom tempo para a JetBlue reparar o dano à sua imagem.

Librado Romero/The New York Times
Neeleman, dono da JetBlue: após atrasos, pedido de desculpas

No Brasil, não. Nas atuais circunstâncias, por falta de concorrência, se uma companhia pratica overbooking, deixa de investir na ampliação e modernização de sua frota (para aumentar a margem de lucro) ou maltrata os passageiros, tratando-os como gado, nada ocorre com ela. Pelo simples fato de que o cliente não conta com opções. O mais dramático é que a infra-estrutura aeroportuária é tão precária que não agüentaria a entrada de novas empresas no mercado. Um exemplo é o grau de saturação a que chegou o Aeroporto de Congonhas, em São Paulo, o mais movimentado do país. Sua capacidade ideal é de 12 milhões de passageiros por ano. Mas, em 2006, passaram por seus corredores 18,5 milhões de pessoas (veja quadro na pág. 56). Como Congonhas não foi projetado para suportar tanto movimento, ele se tornou o gargalo mais apertado da aviação brasileira. Não há solução para o caos aéreo que não passe, primeiro, pelo desafogamento do aeroporto paulistano. VEJA consultou especialistas, a fim de que sugerissem saídas para Congonhas. São elas:

• Transferir para o aeroporto de Guarulhos, já nas próximas semanas, todos os vôos de longa duração, como os provenientes do Norte e do Nordeste. "Os aviões que fazem essas viagens carregam muitos passageiros e lotam o aeroporto", explica Cláudio Jorge, professor do Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA). A medida diminuiria em 6 milhões o número de passageiros no aeroporto.

• Num período de dois anos, deixar em Congonhas apenas os vôos da ponte aérea e de pequenas companhias. O aeroporto receberia 10 milhões de passageiros por ano, 2 milhões menos do que a sua capacidade máxima.

• Construir um terceiro aeroporto nos arredores de São Paulo. Alguns estudos já estão sendo feitos, mas os técnicos ainda não encontraram o lugar ideal para a edificação.

Os especialistas advertem, porém, que qualquer dessas modificações implica a construção de linhas de metrô e trem que liguem a capital paulista a esses aeroportos mais distantes. Seria preciso que o governo, em nível municipal, estadual e federal, fizesse um trabalho coordenado. Mas coordenação não é exatamente uma qualidade da administração pública brasileira.

MAIS CONCORRÊNCIA NOS CÉUS

A duração de uma viagem aérea internacional entre Nova York e Londres equivale ao tempo do vôo doméstico entre Houston (Texas) e Anchorage (no Alasca) – 7 horas e 45 minutos. Mas custa três vezes mais – 1.800 dólares, em média, contra 600 dólares. A diferença entre as tarifas explica-se por um único fator: competição. Enquanto a concorrência na aviação doméstica americana pegou fogo nos últimos trinta anos com o surgimento das companhias aéreas de baixo custo, as rotas internacionais permaneceram largamente protegidas da concorrência devido a um acordo internacional, de 1944, que limita muito o número de vôos entre países. Como resultado, o preço das passagens regionais desabou e o das rotas transatlânticas pouco se alterou. Mas isso pode estar prestes a mudar. Na semana passada, depois de anos de negociações frustradas, os Estados Unidos e a União Européia conseguiram finalmente chegar a um novo tratado que, ao entrar em vigor, em março de 2008, deverá injetar mais competitividade no setor.

Pelo acordo, chamado open skies ("céus abertos", na tradução literal do inglês), empresas aéreas européias poderão voar de qualquer cidade do continente para qualquer destino nos Estados Unidos – e vice-versa. Até agora, seus aviões só podiam decolar de aeroportos de seus respectivos países. Já as companhias americanas terão acesso a qualquer trecho entre os 27 países da União Européia. Ou seja, ganharam mais direitos do que as européias. O sucesso do open skies dependerá, obviamente, da existência de espaço (slot) disponível nos aeroportos dos dois lados do Atlântico. Para isso, eles terão de ser reformados e novos aviões, comprados. O fim das restrições deverá gerar pelo menos 26 milhões de passageiros adicionais em cinco anos, criar 72.000 empregos e reduzir drasticamente o preço das passagens. Companhias européias continuarão proibidas de competir na aviação doméstica americana ou de comprar o controle acionário de empresas aéreas dos Estados Unidos. Essas e outras barreiras remanescentes deverão ser objeto de um novo acordo, a ser negociado nos próximos cinco anos. Se a infra-estrutura da aviação brasileira fosse aperfeiçoada, um acordo semelhante poderia ser feito com outros países. Com mais competição nos céus, os viajantes brasileiros sairiam ganhando.

Com reportagem de Wanderley Preite Sobrinho




Eles estão quase
fora de controle

Suspeitos de sabotagem, os controladores
de vôo ameaçam parar na semana do Pan
e submeter o país a um vexame mundial


Ricardo Brito

Antonio Milena
Fotos Andre Dusek/AE e Ana Araujo

O futuro ministro da Defesa, Aldo Rebelo (à esq.), já faz gestões para debelar a crise. Mas os controladores seguem irredutíveis. Desde a tragédia com o Boeing da Gol, na qual os controladores Jomarcelo dos Santos e Lucivando de Alencar (à dir.) estavam diante do radar, eles vivem dando demonstrações de que podem parar o país. A crise parece não ter fim



Os controladores de vôo já deram demonstrações de que podem parar o país. Desde a tragédia com o Boeing da Gol, em setembro, que matou 154 pessoas e deflagrou a crise aérea que parece não ter fim, a categoria iniciou um jogo de pressão e ameaças que lembra a tática das guerrilhas. Ela é formada por uma tropa de 2.500 pessoas, que têm idade média de 30 anos, ganham 2.000 reais por mês e têm a imensa responsabilidade de zelar pela segurança aérea em condições precárias. Esse exército mal treinado e mal remunerado faz hoje uma greve branca cujos efeitos são percebidos quase todas as semanas nos aeroportos, expondo ainda mais a falta de infra-estrutura da aviação nacional. Os controladores exigem aumento salarial, menor jornada de trabalho e a contratação imediata de novos profissionais. Como a maior parte da categoria é composta de militares, impedidos de fazer greve, eles confabulam nas sombras, fazem reuniões secretas e nunca assumem a autoria de seus atos. Eles assustam não apenas porque já pararam o tráfego aéreo, mas porque podem voltar a fazê-lo a qualquer momento. Há até uma data marcada para a próxima demonstração de força. Os controladores planejam paralisar o Brasil na véspera dos Jogos Pan-Americanos, em julho. A ameaça é tão perturbadora que, na semana passada, eles conseguiram tirar Lula do sério. Já não era sem tempo: até então, o presidente insistia em dizer que o apagão já havia sido solucionado.

Ameaças precisam ser recebidas com cuidado em qualquer negociação. Mas é recomendável que o governo não trate a maquinação para o Pan como mera bravata. No mês passado, pouco antes do Carnaval, os controladores também ameaçaram cruzar os braços. Não o fizeram – embora os vôos para os principais destinos tenham apresentado alguns atrasos – apenas porque o ministro da Defesa, o sempre aéreo Waldir Pires, prometeu acelerar o projeto que desmilitariza o controle do tráfego de aviões. Além de desobrigá-los das rígidas normas da caserna, como o impedimento de fazer greve, a desmilitarização é sinônimo de melhores salários para a maior parte dos controladores de vôo. Os 2.100 militares recebem o equivalente à metade do salário dos 400 civis que integram a categoria. A desmilitarização voltou a galvanizar a atenção dos controladores graças ao anúncio de que a Argentina, seguindo recomendações dos órgãos internacionais de aviação, transferiu a civis o controle de seu tráfego aéreo. Nos Estados Unidos, para citar outro exemplo, a transferência ocorreu há exatos 67 anos. No Brasil, apesar da promessa de Waldir Pires, o projeto está emperrado. "A decisão é do presidente", afirma o ministro.

Lula já deu sinais de que não pretende ceder à pressão dos controladores de vôo pela desmilitarização do setor. Para tentar pôr fim à crise, contudo, o presidente decidiu substituir Waldir Pires pelo ex-presidente da Câmara Aldo Rebelo, que começou a trabalhar antes mesmo de tomar posse. Na semana passada, Apolinário Rebelo, irmão do futuro ministro da Defesa e um dos integrantes da cúpula do PCdoB em Brasília, esteve na Infraero, em missão informal, discutindo uma saída para a crise. Pela proposta de Aldo, os controladores continuariam submetidos à hierarquia militar, mas receberiam uma gratificação da estatal que controla os aeroportos. O ministro Waldir Pires não foi consultado. Lula está irritado com a falta de pulso do governo sobre os homens que zelam pelo espaço aéreo. O presidente chegou a responsabilizar os controladores pela pane da última semana. "Só pode ser sabotagem. Estão fazendo isso para prejudicar o meu governo e criar a CPI", disse o presidente, referindo-se à CPI que a oposição briga para instalar no Congresso Nacional.

Ainda não se sabe se os controladores de vôo estão por trás da bagunça da semana passada. Mas é curioso que, toda vez que eles ficam insatisfeitos, o caos se instala nos céus do país. O apagão aéreo ganhou os saguões dos aeroportos um mês após a queda do Boeing da Gol, exatamente quando as investigações começaram a apontar para uma possível negligência dos controladores. Os sargentos Jomarcelo dos Santos e Lucivando de Alencar, que estavam diante das telas do radar no momento da tragédia, foram afastados de seus cargos. Exatamente um dia depois, os controladores iniciaram uma operação-padrão. Em vez de controlar até vinte aviões ao mesmo tempo, como era comum, passaram a monitorar apenas catorze, como determinam os padrões internacionais. A estratégia resultou no atraso de 600 vôos num único fim de semana e em esperas monumentais de até vinte horas. Para segurar o caos, o governo prometeu se empenhar pela desmilitarização e garantiu que o comandante da Aeronáutica, Luiz Carlos Bueno, seria trocado. O comandante foi trocado, mas a desmilitarização não decolou.

As condições de trabalho dos controladores brasileiros são mesmo espantosas. Um controlador americano recebe em média 10.000 dólares por mês. A remuneração média de um profissional brasileiro é de apenas 2.000 reais, no caso dos militares (1.000 dólares), e de 3.200 reais (1.600 dólares), no caso dos civis. Trabalham oito horas por dia submetidos a um monumental nível de stress. Sem treinamento adequado, falam um inglês primário e têm dificuldade para entender as informações que recebem de pilotos estrangeiros. Logo depois da operação-padrão, diante da ameaça de reeditarem o movimento, a Aeronáutica confinou cinqüenta controladores em Brasília, epicentro da insurreição aérea, em duas oportunidades. Eles tiveram de trabalhar por até 48 horas contínuas. É essa insatisfação represada que, mais uma vez, ameaça transbordar. Se apenas observando regras internacionais eles já causaram tanta turbulência, é arrepiante imaginar o estrago que produzirão se, de fato, cruzarem os braços. O Pan do Brasil viraria um pandemônio.

A Infraero não informa...

A empresa responsável pela administração
dos aeroportos é um antro de corrupção
e desvio de dinheiro


Diego Escosteguy

Dalmir Rodrigues


Desde sua criação, em 1972, a Infraero, estatal responsável por administrar os aeroportos brasileiros, foi gerenciada por técnicos. Em 2003, logo após tomar posse, o presidente Lula rompeu essa tradição e nomeou um político para o cargo – o hoje deputado federal Carlos Wilson. Amigo do presidente do PTB, Roberto Jefferson, o parlamentar seguiu à risca o manual de instruções do partido e transformou a empresa em um gigantesco centro de captação de recursos eleitorais. Auditorias do Tribunal de Contas da União já detectaram irregularidades em praticamente todas as obras realizadas nesse período nos aeroportos brasileiros. Há denúncias no atacado envolvendo a companhia em superfaturamento, licitações dirigidas, desvio de dinheiro e fraudes variadas que ultrapassam a cifra do bilhão. Há também corrupção no varejo protagonizada por dirigentes da empresa. Na semana passada, o atual presidente da Infraero, o brigadeiro José Carlos Pereira, abortou uma operação irregular, da qual participavam funcionários de sua confiança, que renderia 160 milhões de reais a um grupo de especuladores imobiliários. O negócio é exemplar e revela como parcerias político-público-privadas continuam sendo feitas clandestinamente em Brasília.

Há vinte anos a Infraero administra um terreno de 25 hectares nas redondezas do aeroporto de Brasília. O local é alvo da cobiça de grandes construtoras e companhias de aviação. Apesar de estar cedido à Infraero, o imóvel pertence ao governo do Distrito Federal. No fim do ano passado, o assessor especial da presidência da Infraero, Josenvalto Reis, que é filiado ao PTB, iniciou um processo para que a estatal comprasse o terreno. Os detalhes da operação foram acertados diretamente entre Reis e o senador Joaquim Roriz, do PMDB. O plano era o seguinte: o governo de Brasília venderia o terreno à Infraero por 40 milhões de reais. Algum tempo depois, a Infraero alegaria que não tinha mais interesse no imóvel e repassaria o terreno para uma empresa, que assumiria a dívida. Seria um daqueles casos inacreditáveis em que ninguém sai perdendo. O empresário poderia usar um terreno abandonado para um grande projeto imobiliário. A Infraero se desvencilharia de um patrimônio inútil e de uma dívida gigantesca. O senador Joaquim Roriz poderia se vangloriar de ter contribuído para o desenvolvimento do país. O funcionário Josenvalto poderia ganhar uma medalha por se revelar um funcionário aplicado. Interessante, se não tivesse cara de golpe.

Lula Marques/Folha Imagem
Os deputados Gabeira e Jungmann fazem campanha no aeroporto de Brasília para tentar instalar CPI que o governo se esforçou para enterrar

Segundo cálculos da própria Infraero, o terreno vale 200 milhões de reais. Ou seja: a operação renderia 160 milhões de lucro ao comprador final. O presidente da Infraero mandou cancelar o processo de compra do terreno. "Eu nem sabia que isso existia", disse o brigadeiro José Carlos. Seu assessor especial, Josenvalto Reis, explicou que, como ainda era um projeto, nada disse ao chefe. Disse ainda ter procurado Joaquim Roriz em casa apenas para pedir que ele usasse sua influência para agilizar o processo de venda. Roriz, por sua vez, contou outra versão. Segundo ele, Reis foi à sua casa reclamar do preço do imóvel. Na sexta-feira, Reis informou que pediria demissão. Dois dirigentes da Infraero ouvidos por VEJA revelaram que o negócio era parte de um acerto político fechado com o PMDB.

A Infraero tem um orçamento anual de 890 milhões de reais para gastar em obras e manutenção dos aeroportos, o que a transformou em objeto de cobiça. Primeiro foi o PTB, depois chegaram os peemedebistas. Nas últimas semanas, o PT tentou de todas as formas transferir a gestão da empresa para a nova ministra do Turismo, Marta Suplicy. Não é, certamente, apenas interesse em resolver os problemas da aviação. VEJA teve acesso a documentos confidenciais produzidos pelo controle interno da estatal. Eles mostram que não é exagero classificar a Infraero como um antro. Eis alguns exemplos. No ano passado, a companhia gastou 26 milhões de reais, sem licitação, na compra de um software para "gerenciar" as propagandas dos aeroportos. O software nunca funcionou. Descobriu-se que a empresa vendedora havia sido criada apenas um mês antes do negócio e emitira uma única nota fiscal, número 001, referente ao software. O posto de combustíveis do aeroporto de Brasília, uma concessão da estatal, pertencia a uma empresa ligada ao ex-dono da Vasp, Wagner Canhedo. Até aí, nada demais. O problema é que o posto foi fechado por vender gasolina adulterada e, mesmo assim, o contrato, em vez de ser rescindido, foi prorrogado por mais oito anos.

Fotos Beto Barata/AE e Ed Ferreira/AE
O ex-presidente Carlos Wilson e o atual, José Carlos: mesquinharias e negócio suspeito
Não é de surpreender que parentes dos dirigentes da Infraero ou pessoas afins também tenham sido flagrados querendo participar da festança. Nos quase quatro anos que dirigiu a estatal, o deputado Carlos Wilson, generoso com empreiteiras e prestadores de serviço, não se esqueceu dos parentes. A ATP Engenharia, empresa de Mônica Coimbra Loyo, prima de sua ex-mulher, tem contratos com a Infraero superiores a 11 milhões de reais para fiscalizar as obras nos aeroportos. A cunhada de Carlos Wilson explora a concessão de uma lanchonete no aeroporto do Recife, o mesmo que foi decorado com pinturas compradas do sogro dele, o artista pernambucano Francisco Brennand. Dono de uma fábrica de cerâmica, Brennand também forneceu os azulejos que revestem as paredes de três aeroportos reformados durante a presidência do genro: o da capital pernambucana, o de Maceió e o de Congonhas. "São coisas pequenas, mesquinhas", defende-se Wilson. Na semana passada, apesar do empenho do deputado Fernando Gabeira, a bancada do governo não permitiu a instalação da CPI que poderia descobrir a exata dimensão das mesquinharias da Infraero.

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