Panorama Econômico |
O Globo |
8/3/2007 |
A notícia foi destaque no "Bom Dia São Paulo": numa fazenda de Riolândia, na divisa entre São Paulo e Minas, foram cortadas 140 árvores, mais 20 da fazenda vizinha, sem autorização, e ainda aterrou-se uma nascente. Motivo: a fazenda fora arrendada para o plantio de cana-de-açúcar. No telejornal seguinte, o "Bom Dia Brasil", meu comentário era sobre as enormes chances do álcool - ou etanol - brasileiro. Foi impossível não conectar as duas notícias. - Eles nem precisavam cortar aquelas arvorezinhas, eram poucas - lamentou, no intervalo, a apresentadora Mariana Godoy. O sargento da polícia ambiental ouvido na reportagem de Samuel Barbieri disse que esse tipo de irregularidade está se tornando comum. Essa mesma usina, a Colombo, já está sendo investigada porque tem feito cortes sem licença ambiental em outras sete áreas. Precisar, o Brasil não precisa derrubar uma arvorezinha sequer para se firmar como o maior, mais competitivo e pioneiro produtor de álcool combustível do mundo. As avenidas que se abrem são largas; nunca foram tão promissoras as chances do produto brasileiro. Mas o quadro mudou. Hoje, se crescer destruindo o meio ambiente, num mundo em que haverá tantos competidores no mesmo booming mercado, vai estar abrindo a guarda para o competidor exigir barreiras verdes contra o país. O espaço que o Brasil tem para crescer sua plantação de matérias-primas para os biocombustíveis é impressionante: só na Amazônia, são 150 mil km² já desmatados e degradados; no Brasil inteiro, são 500 mil km², lembrou, na semana passada, o cientista Carlos Nobre. Então, é isto: precisar, não precisa, mas o risco de que o desmatamento avance é imenso. Senhores usineiros, os senhores têm má fama. Vem de longe, mas eu vou pular a parte do Brasil colonial, do uso do trabalho escravo nos engenhos, da dependência crônica do Estado, do vício patrimonialista. Vamos ficar só nos problemas recentes: o Proálcool foi uma boa idéia, mas ele foi turbinado durante décadas por um volume de subsídios assombroso. Provocou crimes ambientais assustadores no Nordeste e em São Paulo. Contas enormes foram espetadas nos bancos públicos. E os grandes produtores têm a mania de agir como cartel, para forçar a alta de preços. Pior: até em estados ricos, tem havido flagrantes de trabalho em condições subumanas. A chance de purgar parte dos erros é agora, no contexto da luta contra os efeitos do aquecimento global: o álcool poderá ser uma fonte importante de redução das emissões de gases de efeito estufa. De quebra, pode gerar um volume enorme de divisas. Pode ser motor para aumento dos investimentos, do emprego e da renda no país. Mas é preciso romper com o passado e agir e pensar de maneira totalmente diferente. A queima da cana produz uma fumaça particulada que faz enorme mal à saúde das pessoas. Mas qualquer lobista do setor tem uma resposta pronta para isso: se tudo for mecanizado, faltará emprego para os cortadores de cana. Convenhamos, senhores usineiros, isso mais parece chantagem. Que tal investir nesse mesmo trabalhador e nos seus filhos para prepará-los para empregos de qualidade que podem ser oferecidos com o novo florescimento da indústria sucro-alcooleira; agora rebatizada de agroenergia. Por que pensar pequeno? Por que propor aos brasileiros a eternização da tragédia social? Isso lembra aquele argumento dos escravocratas: quem cuidaria dos escravos na velhice se acabasse a escravidão? Senhores usineiros, queiram mais, sonhem mais alto para suas empresas, para seu patrimônio, para seus trabalhadores, para o Brasil. Assim poderão, realmente, contribuir para um novo momento do país. Velhas práticas têm que ser banidas; simplesmente, erradicadas. O contexto no qual o Proálcool surgiu era de restrição da oferta de petróleo; agora o objetivo é muito maior: a redução dos riscos que o planeta corre. Não faz sentido produzir o novo combustível, chamá-lo de energia verde, destruindo o verde nativo. Num livro patrocinado pela Única, em papel reciclado, o presidente da associação que reúne os usineiros, Eduardo Pereira de Carvalho, escreve: "O Brasil ingressa na era pós-petróleo disposto a provar que o etanol de cana-de-açúcar é, no presente, o melhor combustível que o dinheiro pode comprar neste século XXI." O que o dinheiro não pode comprar é o patrimônio ambiental brasileiro se ele for destruído. Estão surgindo novos e modernos produtores, alavancados por novos produtos de engenharia financeira e com discursos lustrados para impressionar os investidores em road-shows. Os neo-usineiros podem até ter entendido o risco que correm se cometerem crime ambiental, mas, se não formarem uma rede contra a exploração abusiva de trabalhadores e a destruição do meio ambiente, as velhas práticas dos velhos usineiros pesarão contra a imagem da produção brasileira como um todo. O cartel, que o setor sabe tão bem fazer, deveria virar uma união pelo respeito rigoroso ao meio ambiente. Que mal faziam aquelas 140 arvorezinhas de Riolândia, senhor usineiro da Colombo? O bem que faziam? Ora, eram parte dos magros 20% de proteção que se exige de qualquer propriedade do Sudeste. E aqui nesta região é assim: só nos restam os fragmentos. |
Entrevista:O Estado inteligente
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quinta-feira, março 08, 2007
Míriam Leitão - Senhores usineiros
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