O grande desastre do mercado em 2007 começou exatamente há um ano, com a queda de 9% no mercado de Xangai, seguida por uma perda de 416 pontos do Índice Dow Jones. Mas, como na crise financeira global anterior, que começou com a desvalorização da moeda tailandesa, no verão de 1997, passaram-se muitos meses até as pessoas perceberem o alcance dos danos.
No início, toda sorte de explicações implausíveis foi oferecida para a queda dos preços das ações nos EUA. Para alguns, a culpa foi de Alan Greenspan, o então presidente do Federal Reserve, como se a sua afirmação do óbvio - que a queda acentuada no mercado da habitação poderia causar uma recessão - fosse novidade. Um dos congressistas republicanos acusou o deputado John Murta, alegando que seus esforços para barrar a “escalada” no Iraque haviam intranqüilizado os mercados.
Mesmo responsabilizar os acontecimentos em Xangai pelo que ocorreu em Nova York era tolo em si, exceto na medida em que a degringolada na China - cujos mercados acionários tiveram uma valorização combinada de cerca de 5% apenas da valorização do mercado americano - serviu como uma campainha de alerta para investidores.
A verdade é que os esforços para associar o declínio das ações a qualquer elemento particular do noticiário são uma perda de tempo. Analistas sábios lembram o estudo clássico que Robert Shiller de Yale realizou durante o crash do mercado de 19 de outubro de 1987. Sua conclusão? “Nenhuma matéria noticiosa ou rumor surgido no dia 19 ou no fim de semana precedente foi responsável.” Em 2007, como em 1987, os investidores correram para as saídas não por acontecimentos externos, mas porque viram outros investidores fazendo o mesmo.
O que tornou o mercado tão vulnerável ao pânico? Não foi tanto uma questão de exuberância irracional - embora tenha havido muito disso, também - quanto uma questão de complacência irracional. Depois que o estouro da bolha de tecnologia dos anos 90 não conseguiu causar um desastre global, os investidores começaram a agir como se nada de ruim jamais fosse acontecer de novo. Os prêmios de risco - o retorno extra que as pessoas esperam quando emprestam dinheiro a tomadores não absolutamente confiáveis - encolheram.
Por exemplo, nos primeiros anos da década, os bônus corporativos de alto rendimento (antes conhecidos como junk bonds) só conseguiam atrair compradores oferecendo taxas de juro 8 a 10 pontos porcentuais acima dos títulos americanos. No início de 2007, essa margem havia caído para pouco mais de 2 pontos porcentuais.
Durante algum tempo, a complacência crescente se tornou uma profecia que alimenta a sua própria realização. À medida que essa atitude de indiferença se espalhava, ficou mais fácil para os tomadores questionáveis rolarem as suas dúvidas, por isso as taxas de inadimplência caíram. A queda das taxas de juros de títulos arriscados também significou preços mais altos para esses títulos, de modo que os que os possuíam tiveram grandes ganhos de capital, o que levou cada vez mais investidores à conclusão de que o risco era uma coisa do passado.
Mais cedo ou mais tarde, porém, a realidade se intrometeria. No início de 2007, o colapso do boom da habitação nos EUA trouxera consigo uma ampla inadimplência em hipotecas subprime - empréstimos a compradores de moradia que não preenchem os padrões mais rígidos de crédito. Os emprestadores insistiam que esse era um problema isolado, que não se espalharia para o resto do mercado ou para economia real. Mas se espalhou.
Durante um par de meses depois do choque de 27 de fevereiro, os mercados oscilaram violentamente, subindo com migalhas de aparentes boas novas, para em seguida despencar de novo. Mas perto do meio do ano ficou claro que o ciclo de complacência auto-alimentado havia cedido lugar a um ciclo de ansiedade auto-alimentado.
Havia ainda uma grande incógnita: os grandes operadores no mercado, os fundos de hedge em particular, teriam assumido tanta alavancagem - se endividando para comprar ativos arriscados - que os preços em queda desses ativos desencadeariam uma reação em cadeia de concordatas e inadimplências? Agora, ao avaliarmos a calamidade financeira de uma recessão global, sabemos a resposta.
Olhando retrospectivamente, a complacência de investidores na véspera da crise parece intrigante. Por que não viram os riscos? Bem, as coisas sempre parecem mais claras com o benefício da visão a posteriori. Na época, mesmo os pessimistas não se sentiam seguros de suas opiniões. Por exemplo, conclui uma coluna publicada em 2 de março de 2007 que descrevia como poderia acontecer um desastre financeiro, protegendo suas apostas com a seguinte declaração: “Não estou dizendo que as coisas realmente acontecerão dessa maneira. Mas, se formos ter uma crise, eis aí como será.”
*Paul Krugman é economista e publicou este artigo no jornal ‘The New York Times’