Entrevista:O Estado inteligente

sexta-feira, março 16, 2007

Collor, a lógica do boi preto e o rinoceronte


Por Reinaldo Azevedo
Melhor ouvir o senador Fernando Collor (PTB-AL) discursar do que ser surdo. É o máximo de benefício que consigo haurir de sua fala desta tarde, que durou mais de duas horas. A que ponto chegamos! Vamos lá, velho Ortega y Gasset. Arrume uma citação pro Tio Rei, que já é um clichê: “Eu sou eu e minhas circunstâncias”. Collor só é o Collor de agora, que consegue discursar para 63 dos 81 senadores, com apartes compreensivos, porque, afinal de contas, depois do “collorismo” e da “PClândia”, tivemos Delúbio-Marcos Valério e a PTlândia. O petismo, que foi, sim, uma força importante na deposição de Fernando Collor, é a circunstância que lhe confere certa aparência de hombridade para agora bater no peito, jurar inocência e acusar uma grande conspiração.
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Os bravos de Lula deixaram a era Collor no chinelo: evidenciaram o seu primarismo, a sua falta de profissionalismo, a sua, como dizer?, mesquinharia, no sentido de se apegar a coisas e valores pequenos. O PT está demonstrando como agem os profissionais. E, no entanto, nada disso confere verdade ao homem que falou nesta tarde. Ouvimos o discurso de Collor como quem diz: “O que era a República de Alagoas perto da República dos Companheiros!?” Mas se indignação nos faltasse, seria o caso de lembrar: o presidente que teve de renunciar é hoje aliado de Lula. Como diria o sábio deputado Clodovil (De Um Partido Qualquer-SP) sobre assunto mais inocente, “Boi preto conhece boi preto, minha filha!”

Collor escolheu a dedo o dia para falar. Faz hoje 17 anos que ele tomou posse prometendo, se bem se lembram, uma revolução ética — o “caçador de marajás” (Santo Deus!). Também tinha um tiro para domar a inflação. Hoje sabemos, em razão de inconfidências de sua ex-ministra da Economia, que o valor para a retenção dos depósitos (lembram-se?) foi decidido no papelzinho. Os mesmos em que se escreviam metonímias (ops, olhem elas aqui de novo!) como “Esta sua saia está deliciosa!”, passados por baixo da mesa, durante reuniões ministeriais. Não, queridos, não vou evoluir para a crônica fescenina, embora seja grande a tentação.

O governo Collor, diria o papa em latim, não foi uma “plaga” — chaga —, mas foi uma “calamitas”: uma praga legal, institucional e moral. Passados 14 anos de sua deposição, depois da tsunami petista, parece, com efeito, brincadeira de criança. Mas tenho tudo aqui guardadinho: o caixa dois de PC Farias, as folias da Tratoral, os vôos do Morcego Negro, os Jardins da Casa Dinda, a reforma do apartamento de Zélia Cardoso de Mello, o reajuste das passagens de ônibus das empresas interestaduais, a Operação Uruguai, os cheques transportados pelo motorista Eriberto, a vida nababesca do ex-presidente depois da renúncia, tudo financiado por aquele caixa inesgotável das Organizações Arnon de Mello.

É fato. Delúbio Soares e Márcio Thomaz Bastos poderiam olhar para aquela turma de Alagoas e disparar: “Mas que gentinha primitiva! Como eles não sabem fazer as coisas!” Se Collor lamenta não ter contado com um partido tão “profissional” quanto se mostrou o PT, faz todo sentido. Ancorado naquela invenção, o PRN, apoiado então por partidos tradicionais da política, como o PFL, ele não soube dar uma blitz na CPI. Faltou alguém, feito Zé Dirceu, que desse o grito de guerra: “Vamos acusar uma conspiração”. Faltou um jurista com um enorme nariz para declarar: “É tudo caixa de campanha”. Convenham: em boa parte, era mesmo. E menos gente caiu ao redor de Collor do que ao redor de Lula. Nesse estrito sentido, ele se danou porque, com efeito, perdeu muito cedo o apoio do Congresso e da opinião pública. E seu governo era um desastre também econômico; o de Lula não é. Isso fez diferença? Fez.

De forma um tanto ambígua, ao lado de apontar a suposta conspiração que o derrubou, Collor diz que lhe faltou uma boa relação com o Congresso. A fala é mais atravessada do que parece. Pode estar querendo dizer bem mais: “Faltou-me comprar o Congresso”. Não deixa de ser razoável essa perspectiva. Mas isso não quer dizer que caiu por motivos injustos. Só a Operação Uruguai, sem mais nenhuma lambança, bastava para derrubar um presidente. Não é porque Lula não só não caiu (o que merecia), como foi reeleito (esse povo merece...), que o sr. Fernando Collor pode agora apontar o dedo acusador contra os que se mobilizaram pela sua deposição: ela foi justa. Injusto — no que respeita às instituições — é o destino de Lula, entendem?

Arrependimento
Dito tudo isso, esmiuçado o apreço político que tenho por este senhor, mais de 17 anos depois, confesso o meu arrependimento de não ter votado nele, mesmo ele tendo me processado — um processo que ganhei. Votei em Ulysses Guimarães no primeiro turno e anulei meu voto no segundo. Foi uma anulação irresponsável. Imaginem se o Lula socialista de 1989 tivesse sido eleito. Viveríamos certamente quadro mais dramático do que aquele experimentado com o collorismo. Como se sabe agora, a diferença entre ambos não está na moralidade. A economia estava notavelmente desarrumada, e é certo que o petismo faria mais besteiras do que Collor fez. Com uma diferença: não deixaria o poder sem promover uma grande arruaça.

Em suma: eu já deveria ter votado contra Lula em 1989 e não votei. Deixei-me impressionar pelos exotismos de Collor, então um mauriçola chegado a dar murros no ar e a se exibir correndo, todo suado. Não consigo levar a sério gente suada, de camiseta. Não para governar. A turma que o cercava era grosseira, arrivista, de quinta categoria. Resultado: eu me acovardei. Deveria já ter votado contra Lula. O meu voto teria sido depois purgado pela deposição.

Ah, sim. Renan Calheiros (PMDB-AL), presidente do Senado, acompanhou atentamente a catilinária collorida. Ele, que tinha vindo das fileiras do PC do B para integrar o então PRN e chegar ao poder junto com Collor, de que foi líder na Câmara e grande entusiasta. Aí Renan passou a apoiar o governo Itamar, depois o governo FHC — de que foi ministro — e finalmente o governo Lula. Volta a se encontrar com o antigo guia espiritual, ambos na base de apoio do presidente petista que ajudou a enxotá-los um dia por motivos que o neolulista Collor ainda considera injustos.

— Que barulho é este na porta?
— É o rinoceronte.

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